8 de Março

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sexta-feira, 6 de março de 2015

A culpa é de Adão

Adão comeu da fruta não por ter dado crédito à enganosa promessa da qual se utilizou a serpente para persuadir Eva, mas para satisfazer a esta, como diz o Abulense, a qual pecou por ignorância porque não conhecia o logro da serpente.

                                                                                     Adão e Eva, Fernand Léger, 1935
A misógina Espanha do século 18 foi sacudida pelo ensaio “Em defesa das mulheres”, do filósofo beneditino Jerónimo Feijoo y Montenegro. A polêmica foi tamanha que deflagrou um sem número de livros e artigos por elas e contra elas, entre os quais Em defesa das mulheres, de Juan Bautista Cubíe, publicado em Madri em 1768. O libelo permaneceu por gerações como síntese da memória da contenda. No livro, Cubíe desbanca, com argumentos inteligentes e irônicos, até mesmo a clássica interpretação bíblica que estaria na origem da discriminação da mulher nas sociedades ocidentais: “Ainda que Deus tenha proibido igualmente Adão e Eva de comer daquela fruta, aquele, como era dotado pelo Senhor de mais sabedoria e juízo, estava obrigado a precaver a precipitação de ambos”.

Que Adão deu uma contribuição maior na perdição da linhagem humana*

Injustamente os detratores das Mulheres acreditam que não foi tão grave o pecado de Adão em relação ao de Eva; e só a ela se atribui o tropel de ruínas e misérias em que se envolveu a linhagem humana. Que culpa se pode acumular em Eva que não seja maior em Adão?

Alegam como fundamento que se o demônio não tivesse usado Eva para incitar Adão, não teria conseguido fazer com que eles saíssem do estado de graça; e também que tentou a Mulher porque era a mais frágil e, por conseguinte, mais sujeita a ser enganada. Esse mesmo fundamento vai contra eles. Porque se a Adão é atribuído maior saber e juízo, também deveriam considerá-lo mais forte para resistir à tentação e, portanto, maior é sua culpa.

Ainda que Deus tenha proibido igualmente Adão e Eva de comer daquela fruta, aquele, como era dotado pelo Senhor de mais sabedoria e juízo, estava obrigado a precaver a precipitação de ambos. Porque se em Eva não se verificava tantas forças para poder triunfar diante do infernal inimigo, Adão deveria repreendê-la e não segui-la no erro. Que culpa se pode notar em Eva de não ter resistido à sagacidade do demônio que não se pode também notar em Adão por ter se mostrado tão débil às sugestões de Eva? Esta foi enganada por uma criatura de superior inteligência e sagacidade, circunstância que não se deu com Adão. Torna-se muito menor o delito dela em relação ao dele.

Adão comeu da fruta não por ter dado crédito à enganosa promessa da qual se utilizou a serpente para persuadir Eva, mas para satisfazer a esta, como diz o Abulense, a qual pecou por ignorância porque não conhecia o logro da serpente. Por isso que São Paulo, São Tomás e Scot afirmam que a maior culpa foi de Adão.

Diz um autor que nosso Redentor tomou a figura de homem para manifestar que Adão foi a causa da perdição do universo e que, por conseguinte, Ele vinha para resgatá-lo do cativeiro de sua culpa.

Daqui emana uma das primeiras razões da ordem Sacerdotal ter sido designada ao Homem e não à Mulher. Porque tendo tomado o Redentor a figura de homem, e representando o Sacerdote ao Salvador no santo Sacrifício do Altar, deve ser Homem aquele que ocupe tal ministério. E assim não por falta de santidade nas mulheres, mas por congruência do sexo foi encarregada a Ordem Sacerdotal aos homens, e não à Virgem, que a todos excede em mérito e dignidade.

Fica já provado com sólidos fundamentos ter sido mais grave a culpa de Adão. Passemos agora a tratar do engano que cometem os que culpam La Cava pela perda da Espanha.

*Trecho extraído das páginas 43 a 46 de  Em defesa das mulheres, de Juan Bautista Cubíe (Madri em 1768).