sexta-feira, 30 de agosto de 2013
Philip Evanson
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Foto: Carlos Latuff
Controle externo independente: crucial para conter a corrupção e a violência |

Todas as reformas das instituições de segurança pública que tiveram sucesso, incluíram controle externo e independente da polícia
Como tem veiculado a mídia, há consenso sobre o fato de que “a polícia é que mais mata no país”. Quando estávamos fazendo pesquisas e entrevistas para este escrever Vivendo no fogo cruzado, em 2007 e 2008, a imagem da polícia do Rio era ruim e piorava cada vez mais. Um coronel da Polícia Militar fluminense chegou a afirmar que “nenhuma outra polícia tem a nossa reputação”. No começo do nosso trabalho não foi por acaso que ouvimos esta declaração: “Temos que limpar a polícia”. Quem falou foi um militar (reformado), também economista (que foi secretário de Finanças do estado de Rio), e agora é dono de uma firma de consultoria em segurança. Perguntamos, como? A resposta: “Com transparência.”
Limpando a polícia. Sempre respeitando e lembrando os bons policiais que são muitos, parece-nos que, com a estrutura de segurança que se tem hoje no Rio de Janeiro, a polícia não sabe, ou não quer alcançar um número suficiente de comandantes, de policiais civis e de policiais militares sem ligações com o crime. Duas operações secretas da Polícia Federal – Operação Gladiador, em 2006, e Operação Guilhotina, em 2011 – culminaram na prisão de dois antigos chefes da Polícia Civil e no afastamento de um terceiro, bem como na prisão ou em processos criminais contra dezenas de oficiais, muitos deles de alto escalão. O antigo governador do Rio, Anthony Garotinho, que já havia sido Secretário de Segurança, também foi acusado na investigação. O comandante da PM, Mário Sérgio Duarte, renunciou em 2011 por ter selecionado um comandante de batalhão que se revelou, mais tarde, o mentor intelectual do assassinato da juíza Patrícia Acioli, morta por um grupo de PMs. Duarte também deixou de agir com a esperada rapidez contra outros comandantes e policiais envolvidos em crimes.
Crimes no topo levam a crimes na base. Quatro PMs que tinham em seu histórico 37 autos de resistência desde 2000 ainda estavam na ativa quando mataram e deram sumiço no corpo do menino Juan Moraes, de 11 anos, na comunidade Danon em Nova Iguaçu, em julho de 2011. O próprio secretario de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, considerou o caso “vergonhoso”.
Transparencia I: A questão de homicídios e autos de resistência envolvendo a polícia. O caso Juan mostrou, em 2011, o quanto os investigadores e peritos da Polícia Civil ainda estavam despreparados para a tarefa de, devidamente, reunir provas do envolvimento da polícia em homicídios. Isso inclui a preservação do local do crime, a inquirição de testemunhas para descartar a possibilidade de execução, a apreensão de armas usadas em confrontos pela polícia para exame de balística, o uso de testes de DNA, o exame do corpo da vítima por peritos criminais – a primeira identificação do corpo de Juan pela polícia civil concluiu erroneamente que se tratava de uma menina pré-adolescente –, o uso de provas tecnológicas, como dados de GPS do deslocamento dos carros da polícia e filmagens, e, por fim, a reconstituição do crime.
Inicialmente, o caso foi registrado como um auto de resistência e nenhum dos passos citados acima foi seguido. Martha Rocha, chefe da Polícia Civil, admitiu que a instituição errou e determinou que novos procedimentos fossem observados para autos de resistência e casos com mortes durante confrontos envolvendo a polícia. Foi possível identificar nesses novos procedimentos tentativas de implementar algumas recomendações permanentes para a investigação policial de homicídios. Um passo adiante, mas tudo isto não pode ficar apenas nas mãos da polícia. Uma nova medida de São Paulo, em 2013, proibiu policiais de socorrer vítimas de crimes ou outras “implicadas em choques com a policia”. Só médicos ou paramédicos de emergência podem ser chamados para “salvaguardar a saúde das vítimas” e “garantir a preservação dos locais de crime para a realização de perícias e investigações.”
Transparência II: Criação de uma ouvidoria independente com verba orçamentária compatível. Em 2013, ainda não há um órgão desse tipo dotado de recursos financeiros para investigar queixas contra a polícia do Rio de Janeiro. Espera-se que as queixas sejam de cidadãos, mas também podem ser dos próprios policiais. Quando foi criado o cargo de ouvidoria da polícia do Rio, em 1999, que durou pouco tempo e nunca teve independência, notou-se que os soldados de patentes inferiores e oficiais reclamando de seus superiores estiveram entre os grupos que apresentaram mais críticas e queixas, constatou a pesquisa de Julita Lembruger, Leonarda Musemece e Ignácio Cano, Quem vigia os vigias. Aliás, Lembruger foi a primeira ouvidora desta iniciativa fracassada. Além dos recursos, uma administração da ouvidoria teria que ser independente de interferência ou ameaças de autoridades como governadores, e a própria polícia. Obviamente, os desafios seriam tremendos. No mundo turbulento da segurança pública do Rio de Janeiro onde reina a ausência quase absoluta de transparência é possível que não se encontre um ouvidor competente e com independência suficiente para a tarefa. Talvez tenha que ser buscado fora do Estado do Rio, e até fora do Brasil como já aconteceu em outros países. Nuala Patricia O´Loan foi levada da Irlanda em 1999 como a primeira ouvidora (ombudsperson) da polícia da Irlanda do Norte, província do Reino Unido com católicos e protestantes sempre em conflito violento e com policiais envolvidos. O trabalho da ombudsperson que vem de fora tornou-se fundamental no processo de paz entre católicos e protestantes.
Uma ouvidoria para o Rio de Janeiro com meios suficientes para investigar queixas contra a polícia e independente de qualquer pressão da policia ou das autoridades, inclusive do governador, certamente encontraria resistência do alto escalão da policia. Tampouco teria chance de conseguir apoio de um governador, uma vez que contrariaria um princípio de poder já enraizado: o direito do chefe do Executivo estadual de nomear e afastar, principalmente na área de segurança pública. Porém, esse não seria o motivo de se desistir de um projeto de estabelecer uma figura com qualidades nunca vistas no Brasil. Difícil mesmo é instituir inovações para corrigir instituições que já não servem para um estado de direito numa democracia. Vivendo no fogo cruzado lembra que a maioria dos países democráticos, depois de várias tentativas para lidar com os problemas similares ou comparáveis aos que existem hoje na segurança pública no Brasil, passaram a implementar reformas institucionais. Todas as reformas das instituições de segurança pública que tiveram sucesso, incluíram controle externo e independente da polícia, o que foi crucial para conter e erradicar a corrupção e a violência perpetrada pelas forças de segurança.
Confira
aqui entrevista da Carta Capital com a autora Maria Helena Moreira Alves, publicada quarta-feira, 28.