A ‘Revolução’ dos E-Books

Unil
Unil
quarta-feira, 31 de julho de 2013

Jezio Hernani Bomfim Gutierre


Nishant Choksi
Embora seja tentador, é melhor evitar vaticínios sobre o futuro do livro

“Longe de louvações e execrações, talvez a resposta mais sensata a essa conjuntura ainda volátil seja um ‘entusiasmo ponderado’, francamente aberto às oportunidades, mas consciente dos ônus que podem acompanhá-las.”

São muitos os desafios com que se defronta a sociedade contemporânea da informação. O mundo editorial, em particular, está sendo sacudido por incertezas e enfrenta encruzilhadas que definirão o panorama do setor pelos próximos decênios. Esse quadro turbulento não é, entretanto, inesperado. Não parece exagero afirmar que estamos vivenciando uma revolução, e revoluções não são usualmente plácidas. 

Mas se admitirmos o diagnóstico surgem algumas perguntas capitais, semelhantes àquelas que assediam estudiosos de revoluções políticas. Talvez a primeira e mais trivial dentre elas esteja associada à própria identificação dessa profunda transformação: qual o traço essencialmente ‘revolucionário’ desse período? O que, afinal, dá lastro à distinção abrupta e radical desses novos tempos relativamente a épocas precedentes?  Ao menos no que se refere ao mundo editorial, a vaga desestabilizadora do panorama vigente decorre diretamente da extensiva utilização da internet e, mais recentemente, da chegada dos e-books. Toda a aparente solidez dos processos de produção, distribuição e venda de conteúdos - não apenas de livros! - desmancha-se no ar e cada uma dessas etapas passa a ser considerada sob uma nova luz.

Aprofundemos o paralelo da recente revolução digital com as demais revoluções, políticas ou tecnológicas. Como em toda revolução, existem aqueles setores que ganham e os que perdem com o novo cenário, e uma avaliação apropriada do conteúdo da revolução estudada só será alcançado quando chegarmos a imagem mais nítida de quem perde (e o que perde) e de quem ganha (e o que ganha) com as novidades. O significado de uma revolução só pode ser judiciosamente definido quando se chegar a um balanço crível dessas vantagens e desvantagens.

Mas é justamente aí que esbarra o esforço analítico dos contemporâneos de uma revolução: é tremendamente difícil atribuir vitória ou derrota, perdas ou ganhos definitivos em meio às incertezas do novo. Tomemos o exemplo aparentemente mais seguro da presumida disseminação da informação associada à internet e e-books. É ao menos imaginável - e imaginado por um bom número de comentadores - que o caminho seja exatamente o inverso e que a massa caótica de dados a que somos expostos inaugure uma época de informação cada vez mais claudicante e imperfeita. E a atribuição de perdas, tanto quanto a de ganhos, também é cheia de interrogações. Vozes qualificadas há algum tempo já decretaram a premente morte do livro papel e o desaparecimento de bibliotecas. Essas previsões simplesmente não se confirmaram.
A moral dessa história (ou da História) é prudente: cuidemo-nos de vaticínios radicais ou rígidos. É tentador fugir do lugar comum e falar, como Mike Shatzkin, influente consultor de tendências editoriais, que as grandes livrarias terão no máximo mais 10 anos de vida, ou, como previsto por pesquisa divulgada na Feira de Frankfurt de 2009, que os e-books superarão os livros papel por volta de 2023.  Embora ostentadas como fatos, essas são apenas conjecturas. Feliz ou infelizmente, a única certeza que temos hoje é a certeza da incerteza. 

Essa conclusão contida evidentemente não equivale à adoção de um ceticismo estático. Pelo contrário, a falta de diagnósticos confiáveis para o médio prazo impõe alerta constante e exige reação imediata a uma realidade que a todo momento pode nos surpreender. Muito está em jogo em cada uma das escalas intelectuais, editoriais e comerciais do livro e cabe-nos a tarefa complexa e urgente de reconsiderar as bases da leitura e da escrita, bem como de redimensionar os papéis e funções de todos os agentes produtores (autores, editores, prestadores avulsos, gráficos), comerciais (distribuidores e livreiros) e disseminadores da cultura escrita (administradores públicos, educadores e pesquisadores). Mas é justamente pela centralidade dessa reestruturação do universo livreiro e pela indefinição do quadro mais amplo que a prudência é obrigatória e a obediência a previsões intuitivas é irresponsável.


Coerente com essa tecla comedida, o paralelo impressionista com outras revoluções permite ainda um último comentário. Em períodos revolucionários, as promessas são muitas e as ameaças legião. Por isso mesmo, essas são épocas férteis para arroubos messiânicos e muxoxos catastrofistas. E, não nos enganemos, saudações e lamentos persistem mesmo nos períodos posteriores. Lamúrias são particularmente inevitáveis: poucos anos após a Tomada da Bastilha, Talleyrand dizia que só os que viveram antes da Revolução - como ele - conheceram a genuína doçura do viver... Oxalá a revolução editorial que vivenciamos não justifique estados de espírito tão melancólicos. Longe de louvações e execrações, talvez a resposta mais sensata a essa conjuntura ainda volátil seja um ‘entusiasmo ponderado’, francamente aberto às oportunidades, mas consciente dos ônus que podem acompanhá-las.