terça-feira, 15 de outubro de 2013
Affonso Romano de Sant’Anna
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Os discursos sobre violência estariam substituindo o exótico de ontem? |
"Há um jogo de espelhos entre a América e a Europa. Um imagina o outro, um vê no outro o seu ideal e o seu contrário. Bem dizia Américo Castro que o latino-americano não vai à Europa, mas retorna à Europa"
Impossível falar desta feira, encerrada domingo, sem me lembrar de vinte anos atrás, da feira de 1994, quando o Brasil foi, pela primeira vez, o país homenageado. Uma coisa é ter vindo agora como simples convidado, outra foi ter participado da organização da mostra em 1994 como presidente da Fundação Biblioteca Nacional.
A lembrança se espraia para coisas que não são pessoais, mas nacionais. Acontece que estávamos aqui, em Frankfurt, quando chegou a notícia de que Fernando Henrique Cardoso havia sido eleito com 54% votos. Uma votação espantosa resultante da implantação no governo Itamar da nova moeda - o real. Não fosse o êxito da nova moeda, FHC nunca teria sido presidente.
Então ocorreram os oito anos de seu governo FHC, os oito de Lula e agora Dilma. São uns 20 anos. E 20 anos parecem uma medida literária. Aí cabe uma geração. T.S. Eliot dizia ter vivido vinte anos entre as duas guerras mundiais. Drummond indaga se poderia esperar vinte anos pela poesia. Por isto, olho esses escritores que estão junto a mim e que naquela época eram rascunhos de si mesmo. Onde estava Luis Ruffato, que fez agora um provocador discurso na abertura falando das mazelas do pais? E Paulo Lins - que foi meu aluno na UFRJ nos anos 80?
Considero-me então um escritor sênior. Eu Ignácio De Loyola, Sérgio Santanna, Nélida Pinon, Marina Colasanti e muitos que aqui retornaram. Era, então, o apogeu da geração 70, que tinha também Moacyr Scliar, Antonio Torres, Ivan Ângelo e outros. O presidente da Academia Brasileira de Letras que fez o discurso de abertura era o Josué Montelo, hoje falecido; agora é Ana Maria Machado, segunda mulher a presidir aquela instituição.
Vendo essa Alemanha liderando a Europa, lembro-me forçosamente do passado. O muro de Berlim tinha sido posto abaixo em 1989. O país renascia e tinha que absorver toda a parte comunista bastante inoperante. Bem antes, nos anos 70, eu havia atravessado o Muro pra ver o que era Berlim Oriental: uma tristeza. Em 1994, na programação da Feira, fui à Berlim Oriental para fazer leitura da poemas na casa que pertenceu a Bertold Brechet.
O Brasil decidiu trazer agora sua parte menos exótica, mais moderna. Alguns acham que esse é um viés paulista: querer ser tão europeu e americano quanto os americanos e europeus. Já em 1994 houve uma mesa redonda sobre “o Brasil no imaginário europeu”. Essa é uma questão recorrente. Há um jogo de espelhos entre a América e a Europa. Um imagina o outro, um vê no outro o seu ideal e o seu contrário. Bem dizia Américo Castro que o latino-americano não vai à Europa, mas retorna à Europa. Os discursos sobre periferia e violência que aparecem nos nossos filmes e romances talvez estejam substituindo o exótico de ontem. Seriam estereótipos?
Os discursos de abertura feito pelos alemães e brasileiros foram sintomáticos disto tudo. Falou-se muito de cultura e de mercado. E essa feira que recebe 300.000 pessoas é o grande mercado do livro, aqui se decide onde estamos e para onde vamos. Como disse uma das autoridades alemãs, o tripé: autor, editor, leitor foi alterado. Há uma infinidade de elementos mediadores criados pela internet. Fico pensando no que será a literatura e nossos países daqui a 20 anos.
Umberto Eco e Jean Claude Carriére escreveram um livro intitulado: “Não contem com o fim do livro”. Também acredito nisto. De qualquer maneira acho meio difícil eu estar de novo aqui, daqui a 20 anos, em 2033 ou 2034.
*Artigo publicado originalmente nos jornais Estado de Minas e Correio Braziliense em 13 de outubro de 2013