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quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Criar é matar a morte


Romain Rolland influenciou Stefan Zweig
Acabo de ler o ensaio sobre Romain Rolland escrito por Stefan Zweig no volume “O mundo insone” preparado pro Alberto Dines ( Zahar). Vou à estante e retiro os 5 volumes de Jean Cristhophe escritos por Romain Rolland entre 1903-1912. Lembro-me de ter publicado, há algum tempo, uma crônica onde indagava se alguém ainda lia aquela obra. Disse 5 volumes, mas o autor os dividiu originalmente em 10 partes e as publicou numa revista (“Cahier de la Quinzene”). 

Comprei esse edição da Globo de Porto Alegre, em 2003. Estava eu num sebo de livros deparei-me com Jean Christophe, a mesma edição que havia lido na adolescência. Quem ama os livros pode aquilatar o impacto que me levou a comprar imediamente os livros como se o tempo passado, aquelas emoções juvenis pudessem ser revividas. Esta é uma edição de 1942, portanto, editada em plena guerra. E Romain Rolland era pacifista. 

Em algum lugar de minhas confusas estantes devo ter outro livro de Roman Rolland - “Clérembaut” que li na adolescência. Tenho em algum lugar um caderno onde andei copiando passagens de Jean Christophe. Era assim que eu absorvia o que ia lendo: copiava as passagens dos livros. Na minha cidade não havia boas livrarias e cheguei até a fazer um caderno onde colava o que recortava de jornais e revistas, forma de ter um vademucum segreto.

Como cheguei a este livro? Na verdade o livro chegou a mim. Meu irmão mais velho -Carlos- o descobrira através de um amigo, quando ele estava também descobrindo o mundo e a vida. E instava comigo que lesse. Li-o. E o livro foi essencial na minha formação de homem e de artista. Ali estava não só a carreira musical de Jean Chistophe (lembrando Beethoven) e do poeta Oliver. Ali estava a vida por viver. A literatura como primeira forma de vida. E eu devorava o livro e a vida. E ia marcando em vermelho e azul as partes que mais me tocavam.

Como Dines diz em “O mundo insone”: “Musicista, dramaturgo, biógrafo, autor do primeiro roman-fleve Jean Christophe (que lhe valeu o Nobel de Literatura em 1915) militante de esquerda, pacifista, germanista, orientalista, místico e precursor do europerismo, o francês Romain Rolland ( 1866-1944) foi a figura que mais influenciou a vida de Zweig”.

Ao abrir o primeiro volume de Jean Christophe deparo-me com um ensaio de Mário de Andrade que guardei ali. É um ensaio de 1944 ano em que morreu Rolland. Mário escreveu sobre Rolland músico. Acabei fazendo como Mário: que guardava ensaios e entrevistas dentro dos livros dos autores. 

Estava eu lendo Stefan Zweig reeditado por Dines e li o belo capítulo onde Zweig conta que Rolland estava tão perplexo diante do que Tolstói dissera sobre Beethoven e Shakespeare, que resolveu escrever a Tolstói expondo suas perplexidades. Para sua surpresa, Tolstói lhe mandou uma carta de páginas de 38 páginas. O mundo era assim.

Estando para dar mais um seminário na Casa do Saber/Rio sobre “Como enfrentar a morte” e tentando entender a vida e morte encontro de Romain Rolland essa frase que me cai bem: “Criar é matar a morte”.

*Publicado originalmente no jornal Correio Braziliense em 7 de dezembro de 2014.