segunda-feira, 12 de maio de 2014
Getúlio
Affonso Romano de Sant'Anna
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Suicídio planejado: carta testamento encomendada a ghost writter |
Não vi ainda o filme « Getúlio ». Mas desfilei diante do ditador quanto tinha sete anos de idade, (outro dia disse para uns estudantes que tinha 115 anos. E eles acreditaram. Nunca mais faço essa bricandeira. Tive que explicar que não conheci Tomé de Sousa ou Tiradentes).
Mas desfilei para Getúlio Vargas, ali em Juiz de Fora, então, cidade operária. Estava eu de tênis com bandeirinha, e desfilava entre os alunos do Grupo Escolar Fernando Lobo.
Digo isto e fico na dúvida se é verdade ou imaginação. Teria eu realmente ido com com meu pai assistir a um comício do Getúlio? O fato é que quando sobreveio a notícia do suicídio do ditador-presidente, eu estava numa aula de história. As classes foram suspensas e o professor João Panisset tentava nos explicar o Brasil e suas contradições. A história se fazia viva, nas ruas, no sangue que escorria no Palácio do Catete.
Os anos seguintes a 1954 foram de insegurança e eu era soldado. Havia as « novembradas », Lacerda sempre ameaçando, eu ali de prontidão na estação sem saber de que lado vinha o inimigo.
Meu pai era getulista. Aliás ele havia ajudado a botar Getúlio no poder em 1930 como capitão das tropas da polícia militar de Minas.
Anos se passaram. Um dia, num coquetel, na casa de Marcelo Garcia, lá em Petrópolis, conheci o Zezinho Maciel que era o filho do autor (ou redador) da carta testamento de Getúlio. Esse documento está na internet e diz-se que foi escrito por José Soares Maciel Filho, que havia sido aluno do filósofo Benedetto Croce e era o « ghost writer » que escrevia os discursos de Getúlio.
Que falta me faz o Otto Lara Rezende! Ele era minha internet. Conhecia todo mundo, tinha sido testemunha de vários fatos históricos e sabia estórias saborosíssimas. E me disse certa feita que conhecia o Maciel.
Dizem que a tal carta foi encomendada por Getúlio a Maciel, e foi escrita entre 8 e 9 de agosto. Quer dizer : Getúlio estava se preparando para a tragédia. Deve ter sido uma coisa muito patética. Estar diante do suicida e ajudá-lo a escrever sua despedida. Será que Maciel tentou dissuadi-lo? Será que Getúlio já teria escrito outras cartas em outras oportunidades dramáticas? O fato é que passaram-se uns 15 dias, A carta ficou com Getúlio ou com o Maciel?
Os biógrafos até acham traços de suicida em textos mais antigos do ditador. E ao que parece Vargas cortou alguns trechos escritos por Maciel.
Descubro que esta carta-testamento e o bilhete que Getúlio escreveu à mão, ambos, estão no Memorial Vargas, aqui no Rio. Quando Niemeyer fez o esboço desse monumento, como cronista do JB, questionei qual dos dois Getúlios seria homenageado, se o ditador que ficou 15 anos no poder e era ambíguo nas relações com Alemanha e os EUA ou o democrata que acabou criando a Petrobrás? Niemeyer me escreveu uma carta reafirmando sua ortodoxia e eu a publiquei na ocasião.
Estou falando de coisas antiquíssimas. Acho que tenho realmente 115 anos.
*Publicado originalmente em 11 de maio de 2014 no jornal Correio Brasiliense