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segunda-feira, 20 de julho de 2015

A Nova Rodada da Tragédia Grega


Para evitar o Grexit, a saída do euro, o país caiu de joelhos
Há muitos equívocos nos argumentos levantados por analistas de mercado acerca do diagnóstico da recente virulência da crise grega. Na essência, críticas contundentes são feitas à própria zona do euro, que teria permitido a entrada da Grécia em 2001. O país não apresentaria condições mínimas para tanto, uma vez que seus governos seriam irresponsáveis, porque gastavam perdulariamente, fraudavam dados socioeconômicos e, com isso, haviam construído uma dívida impagável.

Não se pretende, neste espaço, subscrever tais equívocos, com base no fato de que eles foram exaustivamente discutidos em 2009 e 2010 pela troika: Comissão Europeia, Banco Central Europeu (BCE) e Fundo Monetário Internacional (FMI). O histórico a respeito das negociações então em curso é de conhecimento público.    
  
Rememorando: em outubro de 2009, um governo grego recém-empossado divulgou números da administração anterior. O que mais chamou atenção foi o déficit fiscal de 13,6% do PIB, que foi, posteriormente, revisado para 15,2% do PIB (WEO Database/FMI, 14.04.2015). Em 2010, a Grécia ficou insolvente. Depois de duras negociações, ela assinou um Stand-by Agreement com o FMI, que definiu ajustes em variáveis macroeconômicas, particularmente quanto ao desempenho das finanças públicas, do setor externo e de um ambicioso programa de privatização de bens públicos. O acordo apontava ainda para a necessidade de o país recuperar sua capacidade de crescimento econômico, sem o que as metas acertadas poderiam se mostrar inviáveis. Retórica vazia. Outro acordo foi assinado em 2012, com ênfase na necessidade de geração de superávit primário suficiente para limitar seu endividamento.

Como é da própria natureza dos programas macroeconômicos coordenados pelo FMI, adotados pela troika, houve mudanças significativas no déficit fiscal do governo, que saiu de 15,2%, em 2009, para 2,7%, em 2014. Este número colocou a Grécia abaixo do limite máximo definido em Maastrich para todos os países da zona do euro e em posição superior à da Espanha (déficit fiscal de 5,8%), Portugal (4,5%), França (4,2%), Irlanda (3,9%), Áustria (3,3%) e Bélgica (3,1%), dentre outros. Também o setor externo apresentou reversão importante, ao sair de um déficit insustentável de 11% do PIB para um superávit de 1% do PIB no saldo de sua conta-corrente, explicado mais pela grande queda nas importações que pela alta nas exportações de bens e serviços.

Por que, então, o panorama negocial desandou? É óbvio que a questão não é mais dos desequilíbrios fiscal e externo, que ocorriam em 2009-2010. O problema a ser discutido agora era o da sustentabilidade desse tipo de programa de ajuste, que não enfrentava o problema central da dívida grega. Como já não enfrentara em 2010! Ele está funcionando quando o PIB caiu 28%, entre 2009-2014? Ou quando a taxa de investimento caiu 42%? Ou quando o desemprego subiu de 10% da força de trabalho para 26%? Ou quando a dívida bruta do governo escalou de 126% para 177% do PIB, porque com uma queda enorme do PIB não há qualquer possibilidade de gerar superávit primário? Não é preciso muito discernimento para concluir que estruturar um programa cujo objetivo único era servir à dívida com os credores só poderia acirrar as insatisfações sociais e inviabilizar sua solução.

Alguma coisa de novo está sendo colocada nessa rodada? Não. Olivier Blanchard, o economista-chefe do FMI, resumiu os pontos centrais a serem adotados no novo programa. No blog do FMI, postado em 14.06.2015, ele lembrou que a Grécia se comprometeu em 2012 com superávits primários de 3% em 2015 e 4,5% em 2016. Declarou, porém, que tais metas eram inatingíveis e que precisavam ser reduzidas. A meta de 2015 deveria ser reduzida a 1% e o esforço para 2016-2017 precisava ser suavizado, de modo a alcançar 3,5% (não 4,5%) ao final de 2017.

Para que isso se mostrasse efetivo, o FMI apontou para duas condições que precisavam ser satisfeitas. A primeira era a adoção pelo governo grego de mais restrições fiscais: uma reforma do imposto sobre valor adicionado (VAT), com ampliação da base tributável, e fim de isenções; e redução adicional de 1% do PIB nas pensões pagas a seus aposentados, uma vez que os gastos com salários e pensões representariam 75% das despesas primárias, além de elevação da idade mínima de aposentadoria. A segunda implicava o envolvimento ativo dos credores – os principais são Alemanha, França, Itália, Espanha e Holanda, além do FMI, BCE e bancos da Alemanha, França e Reino Unido - que teriam de aceitar um perdão significativo no nível da dívida, de modo a trazê-la para um patamar manejável. Dias depois, houve alguma especulação em torno de que o corte deveria ser da ordem de 40%, o que a traria para as proximidades de 100% do PIB.

Ao tempo da conclusão deste trabalho, pode-se afirmar que as recomendações do FMI não foram levadas em conta em toda sua extensão. Melhor dizendo, a leitura que as autoridades europeias fizeram das recomendações foi muito seletiva. Todas as exigências ligadas à redução dos gastos públicos e aumento de receitas foram aceitas, além de inúmeras propostas de endurecimento das leis trabalhistas e privatizações, mas nenhuma palavra acerca de perdão de dívida. Pior: foi exigida uma garantia de independência da agência de estatísticas oficiais do país e a criação de um conselho fiscal independente com poderes para cortar gastos automaticamente se a meta de superávit não for cumprida (Folha SP, 16.07.2015, pg. A15). As autoridades europeias se colocaram à direita do FMI. Tudo isso foi aprovado pelo Parlamento grego ontem, dia 15. Para evitar o Grexit, a saída do euro, o país caiu de joelhos.

Não é difícil perceber que a União Europeia já deixou de ser uma associação de iguais, ainda que os países-membros fossem oriundos de culturas diferentes e estivessem em estágios diferenciados de desenvolvimento. Eles agora parecem estar divididos em credores e devedores, em vencedores e derrotados. Os parâmetros de solidariedade e generosidade ficaram para trás. O tempo é dos financistas.

Isso costuma trazer consequências em médio prazo. O PIB da Grécia, por volta de 1,8% do PIB da zona do euro em 2014, é muito pequeno para tirar o sono dos financistas e dos políticos focados em seus redutos eleitorais. A Grécia não se define, porém, pelo seu produto. O país é pequeno, mas é o próprio berço da cultura ocidental. Foi nele que nasceu o conceito de democracia, tal como o entendemos. As palavras que usamos cotidianamente remetem a significados gregos. Não há nada que pensemos que não tenha sido antes pensado e registrado por um grego em textos filosóficos e peças teatrais. Ele ocupa, além disso, posição geográfica estratégica, no limite do Ocidente. Desde sempre, enfrentou seus vizinhos do Oriente. Seremos arrogantes ou estúpidos o bastante para desprezar sua influência?

*Texto concluído em 16 de julho de 2015.