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segunda-feira, 27 de abril de 2015

O Brasil da Série B

O País tem condições de voltar à Primeira Divisão se usar de forma inteligente as vantagens que possui


O Brasil pode voltar à Série A se usar as vantagens que possui
A boa entrevista do ministro Mangabeira Unger concedida ao jornal Valor expõe o caráter mesquinho e limitado da controvérsia travada nos arraiais dos economistas. A mesquinharia denuncia a pobreza das indagações e a miséria dos pressupostos.

Exemplo do gênero é o empenho da opinião dominante em deplorar o que não existiu: a herança “desenvolvimentista” do primeiro mandato Dilma. Insistem, ademais, na baboseira da “nova matriz macroeconômica”, argumento esgrimido pela tropa que reverencia a supostamente infalível, atemporal e insuperável “velha matriz macroeconômica”, aquela que levou o mundo à crise financeira de 2008.

Ao sacudir o espantalho do desenvolvimentismo, os simpáticos economistas embaralham as cartas, mas não sabem jogar. Suas abstrações de má qualidade lembram as observações de Einstein a respeito da tentativa de Schroedinger de formular um modelo que teria superado a Teoria da Relatividade: “A última tentativa do professor Schroedinger deve ser julgada apenas por suas qualidades matemáticas, mas não do ponto de vista da ‘verdade’ e congruência com os fatos da experiência”.

A papagaiada sobre o desenvolvimentismo começa por atropelar os fatos da experiência, leia-se a história dos fenômenos sociais e econômicos. O “desenvolvimentismo”, enquanto projeto econômico e social nos países da periferia, é uma experiência histórica singular. Nasceu nos anos 30, no mesmo berço que produziu o keynesianismo nos países centrais. A onda desenvolvimentista e a experiência keynesiana tiveram o seu apogeu nas três décadas que sucederam o fim da Segunda Guerra Mundial. O ambiente político e social estava saturado da ideia de que era possível adotar estratégias nacionais e intencionais de crescimento, industrialização e avanço social.

Comparada a qualquer outro período do capitalismo, anterior ou posterior, a era desenvolvimentista e keynesiana apresentou desempenho muito superior em termos de taxas de crescimento do PIB, criação de empregos, aumentos dos salários reais e ampliação dos direitos sociais e econômicos.

opus magnum das concepções que se lambuzam na crítica do desenvolvimentismo inexistente foi o “desmanche” da estrutura produtiva criada ao longo das cinco décadas inauguradas nos anos 30 do século XX. Depois de liderar, até meados dos anos 70, a “perseguição” industrial entre os países ditos periféricos, com forte atração de investimento direto na manufatura, o Brasil caiu para a Série B do torneio global das economias “emergentes”.

A vitória do Plano Real sobre a hiperinflação não impediu que a execução do plano cobrasse uma conta salgada. Insufladas pelo primitivismo das “aberturas” comercial e financeira dos anos 90, a taxa Selic real média de 24% ao ano e a valorização cambial ministraram extrema-unção à indústria brasileira. A infeliz agoniza.

A desdita foi agravada pela escalada chinesa e seu “anacrônico” projeto nacional de integração à economia global. A integração chinesa à economia mundial em transformação – o sinoaberturismo – desrespeitou os cânones das novas e ridículas teorias do desenvolvimento ensinadas nas universidades americanas. Apoiados no investimento direto estrangeiro, em suas empresas estatais, em seus bancos idem e no câmbio administrado (argh!), os chineses sustentaram taxas elevadas de investimento e alcançaram em três décadas o almejado adensamento das cadeias produtivas, primordialmente articuladas no espaço intra-asiático. O feito resultou na redistribuição do valor agregado manufatureiro global para o colo do Império do Meio e de seus vizinhos. O México do Nafta e das “maquiladoras” realizava a façanha de elevar a sua participação nas exportações mundiais de manufaturas e reduzir a sua parte no valor agregado global.

Enquanto isso, o Brasil dos Malans, Francos, Paloccis e Meirelles enganava a torcida com a “abertura da economia”, apontada como critério de classificação do País para disputar a Série A do torneio global. Os “aberturistas da nova matriz” expulsaram o investimento nacional e estrangeiro da manufatura e lançaram os Canarinhos na Segunda Divisão. Conseguiram a proeza da integração que desintegra.

Na segunda metade da década dos 2000, o Brasil escapou de vexame maior – capotar para a Série C – ao se valer da dotação de recursos naturais e do dinamismo do agronegócio para crescer 4% ao ano. A situação benigna das commodities ensejou a promoção de 30 milhões de brasileiros à cidadania econômica. O clima benfazejo, no entanto, atolou a indústria no câmbio valorizado, nas tarifas caras dos insumos de uso geral (energia elétrica) e na estrutura tributária kafkiana.

O Brasil tem as condições de voltar à Série A se usar de forma inteligente as vantagens que possui e as promessas que se revelaram recentemente nas áreas de petróleo e gás. Não basta concentrar os esforços na manutenção do câmbio real competitivo ou esperar a queda dos juros. O investimento “autônomo”, diz o FMI no World Economic Outlook de abril, é importante para a formação da taxa de crescimento nas economias capitalistas contemporâneas.

Coordenado pelo Estado, o investimento em infraestrutura, por exemplo, permitiria a adoção de políticas industriais fundadas na formação de “redes de produtividade” entre as construtoras e seus fornecedores. As encomendas para os provedores nacionais devem estar submetidas, à moda dos vencedores asiáticos, a critérios de desempenho para as empresas encarregadas de dar resposta à demanda de equipamentos, peças e componentes.

No Brasil dos anos 50, 60 e 70 havia sinergia entre o investimento público, então comandado pelas empresas estatais e o setor privado. O setor produtivo estatal investia à frente da demanda corrente e, assim, funcionava como um provedor de externalidades positivas para as empresas privadas. 

*Artigo publicado originalmente na revista Carta Capital em 27 de abril de 2015.