Da Dinastia Tang para o Brasil do século 21

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segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Ricardo Primo Portugal


                            
                                     Pintura do poeta Wang Wei (701-761)














Antologia da poesia clássica chinesa,
lançamento da Bienal do Rio, será possivelmente a coletânea mais abrangente publicada em português da Dinastia Tang (618-907), a “idade de ouro” da literatura chinesa clássica. Inclui mais de 30 autores, inclusive representantes da vertente feminina

Com mais de 200 poemas, a Antologia, que preparei com Tan Xiao, contém, além de textos dos três principais nomes da poesia clássica – Li Bai, Du Fu, Wang Wei –, também traduções de Bai Juyi, Meng Haoran, Li Shangyin, Du Mu, Liu Yuxi, Cen Shen, Wen Tingyun, Li He, Meng Jiao, Jia Dao, Han Yu, Cui Hao, e vários outros, totalizando mais de 30 autores, na maioria inéditos em português, inclusive representantes da vertente feminina da literatura chinesa – Li Ye, Xue Tao, Yu Xuanji. 

Acreditamos que a edição primorosa da Editora Unesp – bilingue, com introdução histórica e de teoria literária, notas explicativas e resenhas sobre os autores, também preparadas pelos tradutores – é uma contribuição relevante para a ambiência dos estudos da literatura chinesa em países de língua portuguesa. 

O trabalho baseia-se, principalmente, nas antologias mais consagradas – 300 Poemas da Dinastia Tang (século XVII), e Poemas de 1000 mestres (século XIII) –, além de repassar os principais textos de referência da tradição da tradução em português, inglês, francês e espanhol. Na introdução e nas notas, também são abordadas questões da teoria da tradução, apresentam-se aspectos estruturais da poesia clássica chinesa, expondo-se os conceitos de paralelismo, tradução-recriação, tradução estrangeirizante, com base em aportes teóricos de Walter Benjamin, Roman Jakobson, Haroldo de Campos, François Cheng, Ezra Pound, Octavio Paz e outros autores.

A seguir, transcrevemos poemas de alguns dos principais autores da antologia.

Zombando de Du Fu

Do arroz cozido”, chamam esta colina.
Chapéu de palha enorme ao sol a pino,
Du Fu, ali rever, mofino e magro:
poesia é ofício desde sempre amargo.” (Libai)

A vila à beira do rio

Um claro rio se dobra em torno à vila e corre,
longo o verão – rio, vila, tudo maravilha.
Vão livremente e vêm aos pares andorinhas,
chegam-se às águas, perto, ajuntam-se gaivotas. 

A esposa um tabuleiro de xadrez recorta,
o jovem filho dobra agulhas, faz anzóis.
Alguém doente busca as plantas para a cura,
humilde corpo, nada além disso procura. (Du fu)

Canção da cidade Wei 

A chuva da manhã sobre a poeira leve,     
no albergue ao pátio o verde intenso dos salgueiros;
então, senhor, toma outro copo deste vinho:
a oeste, além do Passo Yang, não tens amigos. (Wang Wei)

No lago 

dois monges da montanha frente a frente
jogam xadrez entre os bambus a sombra
entre os bambus frescor ninguém se vê 
por vezes ouve-se uma peça move (Bai Juyi)

Partindo e despedindo-se de Wang Wei

Quieto e sozinho o que esperar da vida 
dias manhãs voltar de mãos vazias
Alhures busque-se a fragrante grama
pois vai-se um velho amigo lamentando
Poderes há no mundo e nos eludem
um verdadeiro amigo é mais que raro
Melhor é ser somente o solitário
fechar a porta ao antigo refúgio (Meng Haoran)

Frio do norte

um lado é o negro brilho a sombra e três são púrpura
o gelo encobre o rio mortos dragões e peixes 
rompe-se em três a casca e quebra-se a madeira
passam carros de peso sobre as águas duras
as flores da geada à grama como prata
facas não cortariam o céu denso à neblina
ondas marinhas sobem chocam-se em rugido
montanhas silenciam ao arco-íris jade (Li He)

Bebendo junto às peônias em flor

Perante as flores hoje embriagar-se,
despreocupar-se a nem contar os cálices.
Temer somente das flores ouvir:
“não para o velho aquele, o nosso abrir”. (Liu Yuxi)

Compartilhando um luto

Lembro a elegância como um jade, a pele em pêssego
salgueiros tímidos ao vento, as sobrancelhas
Encerra a gruta do dragão aquela pérola
À base em fênix, só, na alcova resta o espelho
a repetir o sonho à noite, em chuva e névoa
não mais que a dor insuportável, sem parelho
A leste e oeste, agudas, fecham-se montanhas
ao sol, à lua: nunca mais uma esperança (Yu Xuanji)

O livro foi destaque da Ilustríssima. Confira aqui

*Ricardo Primo Portugal é diplomata e chefe do consulado na Embaixada Brasileira do Equador, em Quito. Traduziu e organizou, ainda Poesia completa de Yu Xuanji (Editora Unesp, 2011).