Desigualdade social e imprensa vulnerável abrem caminho para o crime organizado

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quarta-feira, 4 de dezembro de 2013


Dino: palestras no Brasil sobre a máfia e o crime organizado















Para a escritora e socióloga criminal italiana Alessandra Dino, uma das mais conceituadas estudiosas contemporâneas do fenômeno da criminalidade organizada tipo mafiosa, as melhores armas para enfrentar os bandidos são democracia com justiça social e imprensa livre. Somente assim a sociedade pode munir-se de instrumentos para fiscalizar as instituições, inclusive a mídia, e evitar que sejam contaminadas por interesses criminosos, como aconteceu na Itália.

Dino, que está no Brasil para proferir uma série de palestras (confira, abaixo) e promover seu livro Os últimos chefões (Editora Unesp, 2103), não relaciona pobreza a criminalidade, mas vê na desigualdade de renda um campo fértil para seu florescimento. Na primeira palestra, realizada segunda-feira no Centro de Integração Empresa Escola (CIEE), em São Paulo, ela contou como foi a evolução da Cosa Nostra desde os anos 1980 até os dias atuais. Ao contrário do que muitos supõem, a organização continua ativa e em expansão, inclusive internacional: “A máfia muda de pele”, diz, explicando que os bandidos trocaram os métodos violentos por modernas técnicas de administração e marketing para ir o mais diretamente possível ao que de fato os interessa – dinheiro.

Dino enxerga no Brasil potencial para o desenvolvimento da criminalidade tipo mafiosa (organizações como o PCC e o Comando Vermelho são consideradas “pré-mafiosas”) por causa da enorme disparidade de renda, da vulnerabilidade da imprensa, afetada ainda pela pouca pluralidade, e também de lacunas na legislação.

O Brasil tem a segunda pior distribuição de renda do mundo, de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Sua legislação não contempla a figura criminal da organização criminosa, mas prevê apenas quadrilha ou bando (conceitos diferentes), o que compromete a penalização dos integrantes eventualmente presos. Em liberdade de imprensa, o Brasil ocupou o 108º lugar no ranking mundial de 2012, com 179 países. Caiu nove posições após os assassinatos de cinco jornalistas no exercício da profissão (este ano foram mortos quatro profissionais, para 19 mortes similares em todo o mundo).

A socióloga lembra que a Itália criou uma lei específica para enquadrar a máfia – a 416 bis, que reconhece suas particularidades: laços com as classes dirigentes e território demarcado. Naquele país, hoje em 57º lugar no ranking de liberdade de imprensa, muitos jornalistas foram assassinados pela máfia, mas parte deles foi cooptada e ajudou a dar ares de normalidade a fatos completamente absurdos. Um caso curioso foi o da construção do aeroporto da Sicília em uma área inadequada a esse tipo de empreendimento para beneficiar os negócios da Cosa Nostra. Tudo depois que a opinião pública foi devidamente manipulada pela mídia.

Isomorfia - Alessandra Dino estudou a Cosa Nostra a partir de modelos diferentes dos normalmente utilizados. Ela cruzou a evolução da sociedade italiana com a evolução da organização criminosa, detectando um processo que denomina “isomorfismo” – quando duas organizações mantém relação de igualdade entre si. Ela conta que máfia e sociedade evoluíram conforme o cenário internacional. Atualmente, a máfia já não é “outra”, mas está perfeitamente integrada à sociedade. É instrumento das classes dirigentes, não dos marginais, e assimilou elementos da cultura para encobrir sua verdadeira natureza.

A Itália começou a combater a máfia com mais firmeza nos anos 1980, com a lei 416 bis. Desde então, a organização aprendeu – com os mafiosos dos Estados Unidos – a eleger “governos” profissionalizados e construir “consensos”. Manteve relações próximas com o poder político (o caso de Giulio Andreotti, sete vezes primeiro ministro, morto este ano, é um dos mais emblemáticos, mas Sílvio Berlusconi também teria um pacto com a máfia). Embrenhou-se em atividades econômicas diversificadas e em negócios internacionais. Ao mesmo tempo, os “chefões” sintonizaram as normas contemporâneas de administração e expansão capitalista. Os métodos violentos de Salvatore Riina, que durante muitos anos comandou a Cosa Nostra a partir da cadeia, tornaram-se obsoletos. O fascínora Bernardo Provenzano, também preso, assumiu nova identidade, passando a evocar Deus e a Bíblia em suas correspondências. E o chefão atual, Messina Denaro, foragido há 10 anos, investe em negócios sustentáveis, como energia eólica, cita Jorge Amado e apresenta-se como um homem cheio de subjetividades, provavelmente assessorado por um consultor de imagem.

A Cosa Nostra, assim, tornou-se invisível: “Muita gente pensa que a máfia não existe”, diz Alessandra Dino. “Quanto mais forte é a organização menor é o uso que ela faz da violência”. (Celia Demarchi)

Próxima palestra

Data: 05 de dezembro de 2013
Horário: 19h
Faculdade de Direito UniSanta
Rua Cesário Mota, 8, 4º andar – Boqueirão - Santos - SP (Auditório)