sexta-feira, 26 de julho de 2013
Walter Maierovitch
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Plaza Venezia - Roma (Foto: Antonio Marques da Silva) Na Itália, sequestro e deportação ilegítimos sob as vistas do governo |
A história democrática italiana acaba de registrar mais um caso internacionalmente rumoroso de violação a direitos naturais conferidos aos seres humanos. Um caso vergonhoso só agora revelado e consistente, no arco entre 28 e 31 de maio, nos ilegítimos sequestros e deportações da esposa e da filha menor do multimilionário dissidente Muktar Ablyazov, oligarca no rico Cazaquistão e com status de refugiado político conferido pelo governo britânico.
Residentes em Roma, Alma Shalabayeva, 46 anos, e a filha Alua, de 6, foram, pela polícia de Estado italiana, retiradas de casa e colocadas num avião alugado pela embaixada do Casaquistão com destino à capital, Astana. Ambas foram entregues ao governo de Nursultan Nazarbayev. Alma encontra-se em prisão domiciliar, vigiada pela KNG, espécie de KGB moderna, enquanto a filha está sob a guarda de um parente.
Ablyazov, de 50 anos, foi aliado de Nazarbayev, no poder desde 1990. Hoje, além de financiar grupos de oposição, Ablyazov é acusado de uma fraude de 10 bilhões de dólares quando presidia o banco BTA. Dentre os lesados estão oito instituições bancárias italianas. As privações e deportações aconteceram graças ao nihil obstat do Ministério do Interior italiano e à omissão do Ministério das Relações Exteriores. Mais ainda, a soberania italiana foi para o vinagre, pois a blitz policial seguiu ordens de Serik Akmetov, embaixador do Cazaquistão, então detentor de informações provindas de um detetive particular italiano em trabalho para Israel, sobre a presença do dissidente em visita à família.
Os três partidos políticos unidos em uma estranhíssima maioria para governar a Itália (Partido Democrático, Popolo della Libertà e Scelta Civica) afastaram, no Parlamento, a responsabilidade político-institucional de Angelino Alfano, ministro do Interior e vice-premier. Alfano, todos sabem, é o delfim e sabujo de Silvio Berlusconi, e, por isso, guindado a secretário-geral do PDL. Por seu turno, o primeiro-ministro Enrico Letta fez de conta acreditar na versão de que Alfano não sabia de nada. A moção de desconfiança rejeitada pelo Parlamento fora apresentada pelo Sinistra, Ecologia, Liberdade (SEL), liderado pelo prestigioso Nichi Vendola, governador da Puglia, e pelo Movimento 5 Stelle, do cômico Beppe Grilo.
Como informou a mídia europeia, Alfano pediu ao seu chefe de gabinete, Giuseppe Procaccini, para receber o embaixador do Cazaquistão e o alertou sobre a gravidade do fato que lhe seria relatado para providências. Assim, ficou evidente que Alfano sabia da ilegitimidade da pretensão diplomática do Cazaquistão.Numa síntese, Alfano é um disciplinado executor das ordens e do projeto de poder de Berlusconi. No momento, de um Berlusconi que trama a concessão de uma graça, por decreto do presidente da República, pois, no dia 30 próximo e em decorrência de condenações por fraudes fiscais e evasões de divisas, poderá a suprema Corte de Cassação italiana confirmar a sua perpétua incompatibilidade para o exercício de funções públicas.
Com o objetivo de demonstrar a mudança de rumo diante de casos análogos, Ézio Mauro, do jornal La Repubblica, recordou o caso da fuga de um hospital militar, em 1977, do condenado coronel nazista Hebert Kappler, comandante da Gestapo em Roma e responsável pelas tragédias da Fossa Adreatine e das deportações de judeus italianos para campos de concentração. No dia da fuga, deu-se ordem de suspensão da escolta noturna. Em consequência, caiu o ministro Vito Lattanzio, que, como Alfano, disse nada saber.
Outro fato recordado pela mídia e causador de demissões no governo foi o sequestro e a deportação ao Egito, efetivados em Milão no início de 2003, do imã Abu Omar, em operação dirigida pela CIA com a conivência do serviço secreto italiano: o 007 da CIA que comandou o sequestro foi Robert Seldon Lady, preso em 19 de julho passado no Panamá.
Não quis o premier Letta, com o aval do presidente Giorgio Napolitano, arriscar uma votação de desconfiança contra Alfano que poderia levar à queda do seu governo e à convocação imediata de novas eleições. No particular, falou mais alto a governabilidade do que a ética e, frise-se, as duas vítimas nada tinham a ver com o fato de Nazarbayev desejar a cabeça do dissidente Abluazov. Parêntese: o premier Letta sabia da existência de precedente da Corte Constituciona, de 1966 e que levou à queda isolada do ministro da Justiça, Filippo Mancuso, e a manutenção do governo do premier Lamberto Dini.
No momento e já pronta a “fritatta”, Emma Bonino, que se omitiu como ministra das Relações Exteriores, apesar do impecável currículo de vida como ativista de direitos humanos, tenta trazer de volta as deportadas. Mas, de novo, mostrou o seu encantamento pelo poder. Segundo Bonino, no cargo de ministra, deve mover-se de acordo com o interesse da Itália no Cazaquistão (é o segundo parceiro comercial europeu).
Nazarbayev abre a chantagem ao condicionar o retorno ao pagamento de caução e o compromisso de apresentá-las em Astana quando solicitadas. Não bastasse, a agência italiana Adnkronos destacou a fala cínica do premier do Cazaquistão e a destacar que o seu país tinha interesse apenas no dissidente e jamais solicitou a deportação de Alma e a filha menor.