quarta-feira, 2 de abril de 2014
José Castilho Marques Neto
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Edições universitárias: "contracorrente" em uma sociedade pautada pela lógica do espetáculo |
Em seu provocador livro A Civilização do Espetáculo, Mario Vargas Llosa comenta que a tendência natural e saudável do ser humano é buscar uma vida alegre, leve, que busque o “passar bem”. No entanto, o fato de a sociedade contemporânea elevar esse estado a um valor supremo da civilização provoca, por outro lado, “a banalização da cultura, a generalização da frivolidade e, no campo da informação, a proliferação do jornalismo irresponsável da fofoca e do escândalo”. Para quem trabalha com a produção de conhecimento e a disseminação desta informação, como é o caso da editora universitária, editar num mundo dominado pela lógica do espetáculo é uma espécie de remar contra a corrente: há avanço, mas o esforço é enorme, permanente e muitas vezes encarado como inútil dada a avassaladora força contrária que parece a todos “natural”.
Se examinarmos a história do livro e da edição acadêmica, seguramente encontraremos nela de maneira especial a tensão permanente que marca também a vida das editoras de modo geral: a frágil fronteira entre preservar e divulgar a informação e o conhecimento versus o confronto com a realidade do mundo do comércio e da distribuição, demasiadamente marcados por regras e valores inversamente proporcionais àqueles que geraram o conhecimento. Nessa instância, o que vale é a regra do que é mais lucrativo, ou melhor, do mais imediatamente lucrativo. É altamente inflamável a mistura entre a sociedade do espetáculo descrita por Llosa e as regras de mercado atuais que pautam a oferta que chega ao público leitor.
Se no universo dos pesquisadores sobram objetivos voltados para o desenvolvimento da ciência, da humanidade, do bem coletivo, quando o resultado desse esforço se transforma em livro o que se enfrenta são as regras ou a não existência delas. Nessa fase da edição, passamos ao lugar do risco, da aposta, da concorrência das leis de mercado. Porque – não nos enganemos –, se quisermos não apenas produzir o livro, mas fazê-lo circular na forma impressa ou digital, teremos que enfrentar, como enfrentamos desde o início da Editora UNESP, o mundo da distribuição inserido em determinado contexto de uma sociedade capitalista contemporânea. E não apenas porque é essa distribuição a mais eficiente, a que mais atinge o leitor buscado pelos autores. A Universidade não tem condições objetivas de bancar financeiramente a gratuidade de todas as suas publicações, sendo necessária a geração de recursos outros que tornem essa atividade fim – a difusão do conhecimento – algo viável, possível e permanente, não apenas um sonho de verão.
O esforço da Editora UNESP nesse contexto é saber trilhar a difícil e quase invisível linha que separa o mundo da produção do mundo da distribuição. Desde 1987 quando foi fundada, a Editora de nossa universidade nunca se conformou com o modelo então existente no Brasil, que produzia muito, mas distribuía muito pouco. O Brasil fazia parte, como um número enorme de editoras universitárias ibero-americanas, do contingente editorial que colecionava depósitos repletos de obras publicadas e não lidas. A acertada posição da UNESP, considerando o presente e o futuro, foi produzir e distribuir um catálogo que lhe proporcionasse condições de difundir o trabalho dos seus pesquisadores e, ao mesmo tempo, enfrentar com algum grau de competitividade as prateleiras tradicionais e agora as prateleiras virtuais das lojas de livros.
Esse difícil caminho tem obtido êxito. Principalmente após a sábia decisão do Conselho Universitário da UNESP que instituiu em 1996 a Fundação Editora da UNESP. Esse instrumento de gestão se mostrou imprescindível para o projeto editorial e de distribuição ao afirmar e viabilizar o crescimento substantivo da editora com a venda de seus livros e serviços que atende a maior parte do seu orçamento anual. De uma dependência financeira quase absoluta em seus primeiros nove anos, hoje a média anual de recursos que provêm da Universidade para a FEU, além de prioritariamente voltados para sua expansão e novos projetos, está na ordem de 30%.
Mas é importante ressaltar que, inserida em um contexto de “contracorrente”, a editora universitária não pode abrir mão dos imprescindíveis aportes anuais que a universidade lhe concede, complementando os recursos próprios arrecadados. São esses recursos que garantirão à Editora UNESP, mantidos os eixos e procedimentos do programa editorial e de serviços em execução, a alta qualificação acadêmica, o prestígio editorial inquestionável e o ótimo desempenho na distribuição que conquistou.
Temos hoje um mundo em acelerado processo de transformação, uma universidade e um complexo setor editorial que buscam se adaptar àquilo que Roger Chartier chamou de a “administração da abundância” – enorme produção e imensas possibilidades de difusão. A confusão é enorme, as conclusões ainda estão em aberto. Tudo isso gera problemas de compreensão da permanência do que existe e conduz aos limites e possibilidades da textualidade eletrônica, o livro digital tão ambicionado e tão temido. Que a UNESP não perca de vista sua história e sua enorme contribuição ao fazer editorial acadêmico que construiu. Tão importante quanto uma boa ideia é o programa que a viabiliza e a distribui em função do desenvolvimento do todo.
*Artigo publicado originalmente no jornal Unesp de abril de 2014.