Graciliano pouco conhecido

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terça-feira, 16 de julho de 2013

Affonso Romano de Sant'Anna




Em 1992- quando transcorreu o centenário de nascimento de Graciliano Ramos - a Biblioteca Nacional fez uma exposição, sob vários sentidos, original. O ministro da Justiça – Celio Borja- atendendo a um pedido meu, liberou, pela primeira vez, uma série de documentos (do tempo da ditadura de Getúlio) sobre a prisão e a vida política do escritor. A imprensa na época registrou isto e o próprio ministro Celio Borja esteve na Biblioteca Nacional. Isto fazia parte de um projeto de inserir aquela instituição dentro da vida cultural brasileira. Rever Graciliano, sob vários ângulos, era revelador.

Outro aspecto singular daqueles festejos foi levar à BN familiares e pessoas ligadas à biografia do velho Graça. O pesquisador Moacyr SantAna disponibilizou seu surpreendente arquivo sobre o escritor. Na ocasião, Nelson Pereira dos Santos deu detalhes curiosíssimos sobre a filmagem de Vidas Secas. E  a segunda esposa do escritor - Heloisa Ramos lá esteve contando (familiarmente) coisas interessantes. 

Revelou que tinha ainda seis cartas de amor além das que foram publicadas no volume Cartas de l980. Tentei seduzi-la a doar essas cartas para a BN, prometendo que seriam devidamente restauradas. Mas parece que Marilena Chauí, então Secretaria de Cultura da prefeitura de São Paulo havia chegado antes. Um fato desconcertante foi o não-depoimento de Alberto Passos Guimarães. Como se sabe, o primeiro livro de Graciliano, Caetés, foi encomendado por Augusto Frederico Schimidt  que ficou impressionado com o famoso relatório que Gracialiano fez  sobre suas façanhas na prefeitura de Palmeira dos Indios. O volume é dedicado a três pessoas: Alberto, Jorge Amado e Santa Rosa. Quando chamei Alberto da Passos Guimarães ao microfone, esperava que ele fizesse um substancioso depoimento. Afinal ele, como Aurélio Buarque e Rachel de Queirós, havia convivido em Maceió com Graciliano. Além disto foi do Partido Comunista, portanto, teria muito que contar.

Nada disto ocorreu. Diante do microfone, Alberto quedou-se mudo. Eu lhe dizia: -Alberto, você pode contar qualquer coisa, um fato cotidiano, algo engraçado. E ele, nada. Eu insistia. E ele, mudo. Até que depois de alguns angustiantes minutos ele simplesmente disse:
- Desculpemas eu não me lembro de nada.
E sentou-se.                                                                                                                                
Daí para frente convenci-me de que era necessário registrar a memória enquanto ela existe. Alberto morreu no ano seguinte, em 1993, aos 85 anos. Descubro em minha estante várias preciosidades. O livro Cartas à Heloisa com autógrafo carinhoso de Heloisa; o volume Cadeia com dedicatória da filha Clara Ramos, que foi várias vezes à BN e o livro escrito pelo filho - Ricardo Ramos - com quem estive várias vezes: Graciliano : retrato fragmentado.

Revejo alguns documentos  de e sobre Graciliano que foram copiados no volume artesanal da BN-  Coleção Letra Viva-Graciliano Ramos, 100 anos. Ali está um artigo assinado por Graciliano quando tinha 12 anos, no jornal Dilúculo. Era um Órgão do internato Alagoado e os redatores eram - Cicero de Vasconcelos e Graciliano Ramos. Como não havia internet » era assim que se iniciava na vida literária. Drummond, com 16 anos, estreiou no Aurora Colegial no internato do Colégio Anchieta de Nova Friburgo.

Entre os curiosos documentos que reunimos naquela exposição, alguns dizem respeito à complexa relação entre a ditadura e a literatura. Está lá o perfil de Graciliano, feito pela Secretaria de Segurança relatando suas atividades  ligadas ao PCB. A polícia de Vargas mandou prender Graciliano, mas assim que ele foi solto, seus amigos escritores trataram de arranjar para ele um emprego no governo de Vargas. Assim, Rodrigo de Melo Franco faz um atestado afirmando que Graciliano era um 'excepcional talento' e poderia trabalhar no Instituto Nacional do Livro. Depois outro documento com assinatura de Vargas e de Gustavo Capanema nomeiam 'interinamente' Graciliano para 'inspetor de estabelecimento de ensino secundário no Distrito Federal'; e a seguir foi designado por Abgart Renault, para a Escola Técnica Secundária Rivadávia Correa.

Quando João Condé era vivo mostrou-me em sua casa os originais manuscritos de Angústia. Esse Condé era uma preciosidade. Pagava aos autores para fazerem depoimentos para seus Arquivos implacáveis. Encontro uma indagação dele a Graciliano: Por que entrou para o Partido Comunista?.
E a resposta seca do autor de Vidas Secas: Naturalmente porque sou comunista. É uma resposta bêsta, mas não tenho outra. Acho que deixei isto bem claro na minha vida e na minha escrita.