Para os dois intelectuais, o futuro do livro não é nada desesperador, pois, para ambos, livro é um conceito antes de ser um formato e, assim, sua essência não tem como ser sacrificada no altar de alguma nova plataforma de comercialização e divulgação. Mas eles reconhecem que, como em toda revolução tecnológica ao longo da história, algo da natureza dos livros se modificará na era digital. Como aconteceu com os papiros após o surgimento dos livros manuscritos, e com este tipo artesanal de livro depois da invenção dos tipos móveis por Gutenberg, no século 16.
Naturalmente, a opinião próxima dos dois a respeito do futuro dos livros guarda algumas diferenças de enfoque e de ênfase. Enquanto Chartier é mais teórico e universalista, Castilho mantém em suas análises um olho bem aberto para as necessidades culturais brasileiras, país onde, segundo pesquisa que ele citou, apenas 26% dos alfabetizados conseguem compreender o sentido de um texto. E onde – acrescentou - 30% dos tratores vendidos pelas indústrias aos empresários agrícolas brasileiros ficam parados porque não há tratoristas em número suficiente que saibam ler o manual. Ou seja, o Brasil não teria sequer chegado ainda plenamente à era do livro impresso, quanto mais à era do livro digital.
A análise dos especialistas ampara-se em números do segmento. Para Chartier, a substituição do livro impresso pelo formato digital não passa, por enquanto, em termos quantitativos, de uma quimera: hoje, menos de 5% dos livros vendidos na Europa são em versão eletrônica. No Brasil, emenda Castilho, a porcentagem é quase insignificante, 0,01%. Ele sublinha, no entanto, que isto não significa que a modalidade fracassou no país. Ao contrário, está crescendo, lenta e imperceptivelmente: entre 2011 e 2012 o avanço nas vendas dos livros digitais foi de expressivos 12,5%. Porcentagem insuficiente para modificar o cenário em termos absolutos, mas significativa em termos relativos – é só imaginar esse crescimento se replicando ao longo dos anos.
Jornais
Chartier e Castilho discutiram também as causas do inesperado raquitismo da modalidade digital no ramo editorial comparado à visível agressividade que a nova tecnologia vem demonstrando diante dos jornais impressos, que estão fechando ou se tornando eletrônicos um após outro, por causa da concorrência da web - a compra do tradicionalíssimo “Washington Post” pelo controlador da loja virtual de livros e discos Amazon é apenas um exemplo da situação neste mercado.
Ambos foram enfáticos neste ponto. Enquanto as ferramentas virtuais conseguiram com alguma facilidade absorver a mídia impressa para seus padrões formais e de conteúdo, ainda não lograram fazer o mesmo com os livros.
Para começar, os livros hoje não são realmente digitais, mas digitalizados, como observou Chartier – eles seriam apenas uma versão “datilografada”, por assim dizer, do livro impresso, que depois são implantados na web. Ainda não foi criada uma forma de livro suficientemente multimídia que prescindisse da prévia versão impressa.
O que não significa que não se esteja buscando este formato, por vezes com efeitos negativos sobre o próprio livro tradicional. Castilho criticou o excesso de imagens e rebuscamentos gráficos hoje presentes em muitos livros do segmento infanto-juvenil, que apenas esconderia uma tentativa talvez supérflua de atrair novos leitores teoricamente avessos ao texto impresso.
Diga-se que ambos estão longe de serem inimigos da era digital. Pelo contrário: são completamente favoráveis. Como disse Castilho, mal ou bem, nunca se leu tanto como hoje em dia, graças à internet. No final das contas, uma modalidade poderá lavar as mãos da outra, levando leitores de um formato a outro. Para eles, o conflito atual seria apenas uma questão de distribuição de espaços, que o tempo deverá terminar por resolver.