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sexta-feira, 7 de novembro de 2014

A literatura desde os anos 1950

Ler os artigos que integram Experiência crítica, um dos três livros da Coleção Affonso Romano de Sant'Anna, é como presenciar a emergência, nos anos 1970, de toda uma geração de ficcionistas (Roberto Drummond, Sérgio Sant’Anna, Antônio Torres, Dalton Trevisan), poetas (João Cabral de Melo Neto, Ferreira Gullar, Haroldo de Campos) e ensaístas. Confira a seguir um desses artigos, além de uma seção “Estante”, publicados na Veja em 1975, época em que Sant’Anna assinava a crítica literária da revista. 

Trevisan nos anos 1970: contos até o silêncio do haikai

Volta o vampiro*

A faca no coração, de Dalton Trevisan
De Dalton Trevisan (Curitiba, 1925) não se pode dizer que lançou um novo livro. É mais correto falar que relançou seu único e mesmo livro de contos. Pois este é o texto que vem reescrevendo não apenas desde a publicação de Novelas nada exemplares (1959), mas desde quando distribuía pelo correio suas narrativas em uma edição tipo cordel da pequena classe média: traições, violência, mesquinharias, pequenas taras e perversões suburbanas. Cordel em que as personagens têm sempre o mesmo nome e a estrutura não varia. 
Na orelha deste livro há um texto no qual Trevisan esclarece ter um projeto: reescrever seus contos até o silêncio do haikai. Entretanto, da mesma maneira que é fundamental a um autor a consciência de um projeto literário, a crítica tem o direito de discuti-lo, pois a literatura, afinal, também representa uma atividade pública e social.

Mundo pequeno
Assim se poderia indagar: o escritor deve passar a vida escrevendo a mesma obra de maneira idêntica ou deveria encontrar maneiras diferentes de constituir a sua identidade? É certo que Trevisan delimitou o círculo do qual se fez prisioneiro e não quer pisar fora desses limites. Ousou, mas de maneira regressiva e interiorana. Internalizou a província. Procurou seu horizonte no poço. 
Diferente do ex-provinciano Carlos Drummond de Andrade, que nas três fases de sua obra mostra como saiu do “mundo pequeno”, conheceu o “mundo grande” e completou o périplo na metafísica de um “mundo interior”, Trevisan continuou apenas fotográfico, jornalístico, objetivo. A sordidez do pequeno mundo encolheu seus olhos e ele já não vê senão o revisto, mas a visão de um mundo sórdido não deve ser necessariamente a visão sórdida do mundo.

O escritor e seus fantasmas
Até que ponto um autor cria ou é criado por suas personagens? A resposta leva aos limites entre a literatura e a psicanálise. Se o “louco” é vítima de seus fantasmas, o escritor é aquele que controla seu universo simbólico e articula uma fala ao invés de ser apenas falado por suas alucinações. 
Em Trevisan, de um ponto de vista fantástico, tornou-se impossível dizer quem é a personagem e quem é o autor, quem é o vampiro sexual do pequeno mundo curitibano, quem é o vampiro literário sugando o mesmo e coagulado sangue, que bem pode ter se convertido em veneno para o próprio autor. 
Se na prática, para o leitor, a obra de Trevisan coloca o problema de que cada livro repete o mesmo e antigo livro, para o crítico, teoricamente, suscita uma questão: pode uma obra sobreviver como proposta privilegiando apenas a semelhança e não a diferença? Não deve o autor questionar, além do real do mundo, o real de sua obra? 
Na verdade, ter um projeto e realizá-lo não basta. É preciso testar sua eficácia. É necessário questioná-lo e refazê-lo em uma construção na qual a diferença revalorize a semelhança resgatando o próprio projeto da monotonia e da estaticidade?

* Reprodução das págs. 59 a 62 + Artigo publicado na revista Veja, 24 de setembro de 1975.

Seção “Estante”*

O espírito e a letra, de Rubens Rodrigues Torres Filho
Um estudo belo e consistente da filosofia de Johann Gottlieb Fichte (1762-1814). O autor é doutor em Filosofia pela USP e seu trabalho revela a maturidade dos estudos de pós-graduação no âmbito das ciências humanas no Brasil.

Graciliano Ramos: estrutura e valores de um modo de narrar, de Fernando Alves Cristóvão
Análise estrutural dos diversos livros de Graciliano. Pertence a uma coleção que a Editora Brasília lançou para divulgar recentes pesquisas na área do ensaio literário universitário.

O problema da linguagem poética, v. I e II, de Iuri Tynianov
Textos do formalista russo traduzidos do original para divulgação no ambiente universitário. Pertencem a uma nova coleção, Diagrama, da Tempo Brasileiro, com a qual a editora pensa baratear o preço do livro.

O estruturalismo dos pobres e outras questões, de José Guilherme Merquior
Artigos jornalísticos e panfletários publicados visando acossar os teóricos brasileiros.

Teoria da literatura em suas fontes, de Luiz Costa Lima
O autor, professor de teoria da literatura na PUC/RJ, vem construindo uma obra mais ou menos solitária de repensagem dos fundamentos da teoria que estuda os textos literários. Aqui, com textos traduzidos pela primeira vez para o português, com as principais tendências teóricas nos últimos cinquenta anos.

* Reprodução das págs. 53 a 55 + Publicado na revista Veja, 3 de setembro de 1975