terça-feira, 4 de fevereiro de 2014
Affonso Romano de Sant'Anna
 |
Relíquia está à venda: é pegar ou largar |
- Você quer comprar um fardão da Academia Brasileira de Letras ?A oportunidade chegou, pegar ou largar. Tem gente que só pensa na Academia. A chance é essa. Interessados procurem Adda Guimarães. Aliás, o nome dela é o de uma nobre (como o fardão): Maria das Graças, De Guimarães Afonso de Almeida. Nome de condessa. E pode ser encontrada no tel. (21) 2287-8072. Quem mora no Rio basta passar na banca «A Cena Muda» ali na praça N.S.da Paz e olhar coleções de revistas antigas. Ou se você mora no interior entre em contato pelo email: addadig@hotmail.com ou veja na internet.
Qual o meu interesse nisto ?
Nenhum.
Há décadas que me convidam para concorrer à ABL. Na primeira vez Afrânio Coutinho queria que eu substituisse Jose Guilherme Merquior e me garantia o apoio da «bancada nordestina».
Mas eu sou mineiro, lhe dizia. Além do mais não acredito na imortalidade. E aquele fardão me dá a sensação de que estaria embalsamado em vida.
Mas pode ser que essa notícia interesse a algum colecionador ou a alguém que queira usar a vestimenta em casa para receber conhecidos. O valor atual de um fardão é R$70 mil. O município de onde provém o imortal é que paga a conta. Quantas cestas básicas vale um fardão? O pessoal do «Contas Abertas» acha que a Academia é que devia pagar o fardão. Como se sabe a Academia é uma instituição rica. Dizem que o jeton de cada acadêmico está em torno de $ 10 mil. Muitos alegam que entram para ABL por causa disto, dos planos de assistência e mesmo por causa do preço da sepultura que está pela hora da morte.
Perguntei à Adda como esse fardão veio parar nas mãos dela. Contou em uma senhora a procurou em 1996 e ofereceu o fardão com a casaca e mais uma toalha. Essa toalha é algo intrigante na história. Também não sabe quem era essa personagem. Sabe-se apenas que o fardão foi usado em 1996. Eis uma boa pesquisa para os frequentadores de arquivos.
Contei à minha amiga, então, que as viúvas dos escritores costumam vender a qualquer preço os livros dos maridos, como vingança. Elas se casaram sonhando com príncipes, e os maridos viram uns chatos que não apenas gastam o dinheiro do pão dos filhos em livros, mas vivem enfurnados na biblioteca. É isso: escritor se casa com livros. Então, possivelmente, esse fardão é um misto de memória e vingança.
Curiosamente, o fardão que minha amiga quer vender ou leiloar é de lã. Diferente, portanto, do que é hoje: roupa feita de sarja inglesa na cor verde escura com ramos de café bordados de ouro. Além de ser de lã é de lá, ou seja, uma cópia (mais pobre) do fardão usado na Academia Francesa criada por Richelieu em 1635. Muitos já notaram essa contradição em Machado de Assis: o criador da ABL, que dizia que a Academia era para os «notáveis» é o mesmo que escreveu o conto «Teoria do Medalhão» onde ironiza a troca de favores e os que sonham com o prestígio social.
Eu pensava que o imortal quando morria era enterrado com o fardão. Mas essa roupa ora em leilão prova o contrário.
Lembrei-me de Aurélio Buarque contando que estava metido no seu fardão indo para a Academia, e resolveu pegar um táxi. Ficou na rua acenando, até que um carro parou e o levou. O intrigado taxista olhava aquele homem vestido gloriosamente e perguntou no seu linguagar popular:
-Sois algum reis? ( Referia-se às festas de reisado, naturalmente).
Aurélio explicou que era da ABL, etc. E como insistisse com o taxista para pisar no acelerador, pois estava atrasado, o taxista ponderou:
-Calma Doutor! vestido como o senhor está, nada começa antes do senhor chegar…
*Artigo publicado originalmente no jornal Estado de Minas, Belo Horizonte (MG).