quarta-feira, 20 de agosto de 2014
Novo olhar para a Bienal
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Castilho e Gutierre: editoras universitárias garantem a bibliodiversidade |
José Castilho Marques Neto, presidente da Editora Unesp e secretário executivo do Plano Nacional do Livro e Leitura e Jézio Hernani Bomfim Gutierre, editor executivo da Editora Unesp, falam sobre bienais, títulos no prelo, mercado editorial e a importância das editoras universitárias para a bibliodiversidade no Brasil.
O que mudou nas bienais do livro nos últimos tempos na sua avaliação? Essas mudanças têm reflexos nas editoras universitárias? Quais?
José Castilho: As bienais como todo o mercado do livro estão em constante mudança, há um esforço do setor em tornar este evento um marco importante na difusão e no incentivo à leitura no Brasil. É um grande encontro e festa do livro que precisa ir além e se tornar também a festa da leitura. Muitos trabalham para isso ocorrer, o que reflete um ideal comum do mercado, mas também da política pública: tornar o Brasil um país de leitores plenos e democratizar o acesso à leitura.
Podemos conhecer alguns projetos editoriais previstos para este ano?
Jézio Gutierre: Temos vários volumes projetados para o último trimestre do ano, com livros de autores como Giddens e Chartier. Mas eu gostaria de salientar Cortez e seu duplo, de Christian Duverger. O livro fez furor na França porque questiona a autoria de textos fundamentais sobre a ocupação espanhola da América azteca, atribuídos a Bernal de Castillo. Aqui não é apenas o aspecto meramente autoral que entra em jogo, mas temas clássicos como identidade, fidedignidade historiográfica e a própria história latino-americana.
Qual é a importância das editoras universitárias no contexto do mercado de livros no Brasil?
José Castilho: Há vários aspectos a serem considerados nesta pergunta que remetem à especificidade do trabalho das editoras universitárias: a divulgação para além dos muros da academia do que se pesquisa e se inova nas universidades; a garantia de fomentar novos autores/pesquisadores que teriam dificuldades extras em nichos editoriais não acadêmicos; a contribuição para a bibliodiversidade no Brasil, entendendo-a como um rol de novas opiniões, descobertas inovadoras, críticas e análises que pluralizem determinados assuntos de interesse público e do país; a preservação da memória e da história local e regional tanto na ciência quanto nas artes e na literatura. As cerca de 120 editoras universitárias têm hoje lugar assegurado no competitivo mercado editorial brasileiro com sua produção de mais de dois mil títulos anuais.
A Editora Unesp se destaca de alguma maneira nesse nicho?
José Castilho: A Editora Unesp tem um longo currículo editorial e de participação no mundo do livro brasileiro e ibero-americano em várias áreas; na produção de um catálogo prestigiado com cerca de 1.800 títulos, distribuição de seus livros obedecendo a regras éticas de mercado e presença marcante junto ao leitor e, ainda, como editora de uma universidade preocupa-se com a formação de profissionais do livro. Tudo isso foi construído com coerência nesses 27 anos de existência. Creio que a Unesp soube construir uma estrutura profissional a exemplo de grandes editoras universitárias internacionais, soube criar uma estrutura administrativa fundacional que a distingue de suas congêneres brasileiras e jamais se afastou das suas missões acadêmicas de difundir o melhor conhecimento universitário tornando-o acessível a um número muito grande de leitores.
Cite alguns títulos da Editora Unesp que provavelmente só seriam publicados por uma editora universitária.
Jézio Gutierre: Um caso típico, que não se refere a um livro específico, mas a uma série, é a coleção Adorno. A tradução de Adorno é sabidamente complexa e envolve esforços que normalmente não permitem rentabilidade rápida. E isso é tanto mais claro quando estamos inserindo na mesma coleção os livros menos conhecidos de Adorno. Como um todo, essa série é um monumento do pensamento contemporâneo alemão, mas, de fato, sua publicação em bloco só seria viável para uma editora universitária. De uma ou outra forma, a mesma observação se aplica a vários volumes de clássicos que publicamos, como O progresso do conhecimento, de Bacon, ou mesmo o Diálogo ciceroniano, de Erasmo, ou o Da palavra, traduzido diretamente do sânscrito. São todos eles obras fundamentais em seus respectivos campos, mas, em alguns desses casos, foram precisos muitos séculos antes que fossem publicados, simplesmente porque não possuíam apelo comercial suficiente para editoras privadas. Finalmente, nesse rol não podem faltar os diversos volumes que publicamos dentro dos programas Propg: livros em geral acadêmicos, de boa qualidade, mas de mercado restrito. Em tempos de baixos recursos, as editoras universitárias são praticamente a única porta aberta para que eles sejam disponibilizados.
Como a editora faz para contemplar em seu catálogo tanto os clássicos da cultura mundial quanto a nova produção acadêmica?
Jézio Gutierre: A Editora procura balancear prioridades e satisfazer esses polos. No caso dos clássicos, existe um enorme terreno aberto esperando para ser explorado pelas editoras brasileiras e, para isso, formamos um corpo de tradutores qualificados que possa dar conta inclusive de línguas mortas, como o latim e grego antigo. No caso da nova produção acadêmica, devemos considerar tanto a produção nacional como a estrangeira. Para autores brasileiros, além da abertura específica para autores da Unesp, a Editora prospecta e examina extensivamente aquelas obras que nos são enviadas espontaneamente. Para autores estrangeiros, a experiência internacional da Editora nos dá condição privilegiada para a captação de originais, seja pelos contatos diretos que temos com várias das principais editoras europeias e norte-americanas, seja pela regular participação em feiras internacionais e exame de catálogos.