quarta-feira, 1 de abril de 2015
Das profecias apocalípticas às esperanças sensatas
Com um olhar que parte de diversos pontos, Paolo Rossi enxerga luz no fim do túnel do destino da civilização
Por Iracema Sales, para o Diário do Nordeste*
O livro Esperanças (Editora Unesp, 114 páginas, tradução de Cristina Sarteschi), escrito pelo historiador e filósofo italiano Paolo Rossi (1923-2013), tem o efeito de um raio de luz no fim do túnel da história da humanidade. Dividida entre a dicotomia da hiper-realidade e as contradições do mundo real, a civilização contemporânea vive uma crise de identidade. Ao mesmo tempo que tenta encontrar a chave do paraíso perdido na própria imaginação, replica previsões catastróficas (re)produzidas pela mídia ou pelos "filósofos- xamãs" acerca da situação do mundo. Sem contar com os futurólogos de ocasião, adeptos dos termos "fim" e "pós", que lançam profecias falsas sem ter preocupação com os desmentidos. Assim como a natureza, sobretudo em tempos de mudanças climáticas e de escassez de água, o campo político é suscetível aos falsos profetas.
Não se trata de lamentar uma ilusão perdida ou partir para o niilismo, apostando em uma ideia de super-homem, pondo em questão o humanismo, crendo que seres geneticamente modificados ou "ciborgues" podem salvar o Planeta, como mostraram e continuam destacando algumas produções cinematográficas, ao longo de um século. A discussão perpassa a obra do autor italiano, que com erudição, mas sem cair no hermetismo, discorre sobre o tema que, no mínimo, exige uma análise múltipla. Com serenidade, o especialista em história das ideias dos séculos XVI e XVII encontra o ponto central da discussão: o mundo, por sua natureza, é imperfeito.
Éden?
A constatação faz cair por terra a ideia do mundo como o paraíso, representado pelo Jardim do Éden, do qual Adão e Eva foram expulsos, arrastando com eles toda a humanidade. De forma lúcida e tentando afastar a dicotomia entre Deus/diabo; paraíso/inferno e bem/mal, o autor analisa o assunto, mas sem perder de vista a confiança. Dessa maneira, mostra ser possível enxergar o mundo pela ótica do real, identificando pontos positivos. A democracia é um deles, bem como os avanços verificados nos índices de bem-estar social, sobretudo na Europa. A realidade contribui para desfazer a cantilena daqueles que tentam, a todo custo, recuperar um paraíso jamais existente, exceto, nos contos de fada. Em vez de desistir, prefere buscar por "esperanças sensatas".
A obra é subdividida em três capítulos. No primeiro, Rossi trata sobre "ausência de esperança, criticando a falência das previsões catastróficas, sem poupar também os defensores da esperança sem limite, dos paraísos imaginários e do mito do novo homem. No segundo, aborda a literatura apocalíptica, passando pelo que chama de "esperanças desmedidas". No último, lança a proposta das "esperanças sensatas".
O autor critica o que chama de "armadilhas filosóficas", afirmando que "os paraísos do futuro não só não se realizaram, mas aquele tipo de esperança deu origem a projetos não sensatos e que se tornaram praticáveis através do uso sistemático da violência". Portanto, é preciso estar atento ao casamento filosofia/religião. "Acreditar que projetos sensatos e praticáveis possam nascer a partir de um deslocamento da teologia a uma filosofia da história (ou até mesmo a uma ciência da história) foi perigosa, falimentar e sangrenta ilusão do século XX". Período que cultuou o real, ideologia materializada em guerras e revoluções. Também acreditou em paraísos.
Com essa intenção, o autor aceitou o desafio de escrever o livro, à primeira vista, pelo título, pode ser confundido com uma obra de autoajuda. Uma narrativa concisa, com pouco mais de 100 páginas, o autor consegue investigar o tema sob vários aspectos. De maneira inteligente divide o assunto em três eixos: "sem esperanças", "esperanças desmedidas" e "esperanças sensatas". Dessa maneira, constrói o arcabouço no qual desenvolverá seu pensamento. Logo de saída, não poupa críticas à literatura apocalíptica, se nutre de "previsões catastróficas falidas, do fim do Ocidente, do masoquismo dos intelectuais".
Falsas profecias
Os jornalistas estão entre os principais porta-vozes dessas notícias, que investem em dados de pesquisas apocalípticas, muitas vezes, não se confirmam. A crise do petróleo, nos anos 1970, é uma delas. Segundo o autor, alguns desses textos apocalípticos que se referem a um longo prazo se tornam inexoravelmente, depois de algumas décadas, livros humorísticos. Cita "A futura Idade Média", do engenheiro eletrônico Roberto Vacca, que de maneira apressada fez projeções consideradas ocas. "Projetava detalhadamente bandos clandestinos cuja tarefa, como a dos monges na passada Idade Média, seria preparar o Novo Renascimento".
Pela análise de Vacca, seria oportuno que os grupos conservadores de cultura se munissem de sal, açúcar, álcool, pontas de furadeira, placas de metal duro, parafusos de aço inoxidável, fios de cobre, munições para armas portáteis". Para Rossi, um Novo Renascimento talvez tenha dado seus primeiros e não previstos passos na Índia e na Coreia do Sul, depois do declínio de um império e do início do terrorismo em escala mundial. Os futurologistas não se preocupam muito com os possíveis desmentidos das falsas previsões. "Eles chegam, quando chegam, décadas ou até mesmo séculos mais tarde", arremata.
O time dos pessimistas conta com importante reforço: os intelectuais, alfineta Rossi. Lembra do livro de Oliver Bennett "O pessimismo cultural". Nele é abordado como os intelectuais colocam no centro da cultura termos como queda, declínio, decadência, degeneração, ruína, rim, mal-estar, niilismo. "Também fazem parte dessa grande família de conceitos muitos termos iniciados pelo prefixo pós; de fato, quando se fala de pós-moderno, assume-se que um determinado fim, mais ou menos dramático, já tenha ocorrido". De acordo com o autor, muitas pessoas acreditam que choramingar ou se lamentar tenha algo a ver com a cultura. Os pessimista têm sempre aquele ar de ser otimistas melhor informados, defende.
Bem/mal
A crítica de Rossi estende-se também aos intelectuais italianos de esquerda, ao atribuírem todos os males da humanidade ao Ocidente. Com ponderação, afasta a ideia de dualismo, argumentando: "a história é, ao contrário, um entrelaçamento de bem e de mal ou, pior, de atos que são julgados por alguns como bons, e por outros como maus. Não seria hora de renunciar ao gritos de esperança ou de desespero dos profetas?", indaga. Em muitos casos, a vontade de saber sobre o futuro cede lugar ao medo, sobrando espaço apenas para o apocalipse.
As ideias do filósofo italiano tendem a uma moderação, no sentido de encontrar um denominador comum capaz de continuar guiando o trem da história. Suas críticas não poupam o marxismo, que segundo Rossi, tentou transformar a história em ciência, atentando para os riscos do totalitarismo. "O termo totalitarismo se refere tanto ao comunismo quanto ao nazismo, mas nunca de deve esquecer que o nazismo não propunha, como ideal ou como meta final, a libertação de todos os homens, mas o predomínio da raça eleita, a raça dos patrões. Desejava a vitória do melhor e do mais forte e a subordinação do pior e do mais fraco". Por fim, o autor constata uma legião de "xamãs fantasiados de filósofos", na atualidade.
*Publicado originalmente no jornal Diário do Nordeste em 22 de março de 2015.