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sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Histórias da crítica e do fazer poético

Coleção reúne reflexões de Affonso Romano de Sant'Anna sobre as suas trajetórias como poeta e estudioso da literatura

Por Dellano Rios, para o Diário do Nordeste*

Affonso Romano recupera episódios de sua atuação como poeta e crítico
Em uma de suas máximas, o poeta curitibano Paulo Leminski (1944 - 1989) garantia que "para ser poeta, é preciso ser mais do que poeta". A frase poderia servir de epígrafe para os títulos da coleção ARS, da Editora Unesp, que reúne livros de Affonso Romano de Sant'Anna. Neles, o escritor mineiro articula sua produção como poeta e como estudioso do fazer literário.

A primeira leva conta com três obras: Experiência crítica, reunião de textos produzidos para a Veja entre 1975 e 1976 (ainda que nem todos tenham sido publicados pela revista, por desentendimentos entre o autor e os editores); Trajetória poética e ensaios, com relatos independentes sobre os percursos de Sant'Anna como poeta e como crítico e ensaísta; e Entre Drummond e Cabral, combinação de dois ensaios centrados em dois poetas centrais para a Literatura Brasileira do século XX e para o pesquisador-poeta em particular.

Geração
Sant'Anna revela que a coleção nasceu de uma sugestão de José Castillo, diretor-presidente da Fundação Editora Unesp. A proposta temática coincidiu com reflexões que já vinham ocupando o escritor. "Há dois ou três anos, fiz uma conferência em Assis (SP), onde tinha participado de um histórico congresso de crítica, em 1962 (o Congresso Brasileiro de Crítica e História Literária). Por conta dessa volta, fiquei pensando no que eu já havia feito nesse tempo todo. Resolvi fazer um levantamento de minha participação na literatura, tanto na poesia, como na crítica e no ensaio. É um depoimento, feito num estilo mais solto, onde conto histórias meio ao estilo de uma crônica. Passo em revista a minha geração", explicou, em entrevista por telefone.

A perspectiva histórica é importante para Sant'Anna, que adentrou o território das práticas literárias em um momento turbulento e importante para as letras, não apenas no Brasil. "É um percurso pessoal e geracional. Alguns colegas mais velhos, como Haroldo de Campos e Affonso Arinos já se foram. Como eles, convivi com os modernistas, com os escritores da geração de 1945, com o pessoal de vanguarda, e resolvi dar o depoimento sobre esses encontros. Achei que ele poderia interessar a outras pessoas", revela.

No exercício de autocrítica (crítica aqui, entendida como reflexão e problematização de uma determinada prática), Sant'Anna se apresenta como um poeta que confia mais na transpiração do que na inspiração. Em "50 anos de poesia e/ ou as ilusões perdidas" - ensaio que figura no volume "Trajetória poética" -, o autor apresenta seu fazer poético como uma prática integrada à História, ora mais próximo, ora mais distante do centro dos acontecimentos.

A crítica
O ambiente político, nas turbulentas décadas de 1950 e 1960, contribuíram para moldar não apenas a sensibilidade do poeta, mas o olhar do pesquisador. E, em ambos os casos, a atuação de Affonso Romano de Sant'Anna foi marcada pela ousadia. "Fui o primeiro doutor formado em minha turma em Minas, e fui dirigir o departamento de Letras da PUC-MG, que se transformou num polo de discussão sobre as novas teorias de interpretação do texto literário, que então surgia sob o nome geral de Estruturalismo". As novas teorias, que animavam o campo acadêmico na Europa e nas Américas, serviram de base para "Análise estrutural de romances brasileiros" (1973), um clássicos dos estudos literários no País.

"A PUC-MG teve um papel importante para os estudos da literatura, porque além de fazer revisão da teoria da literatura, trouxe para a universidade uma série de escritores. Osman Lins, Ruben Fonseca, Autran Dourado, Clarice Lispector, Pedro Nava: essas pessoas que deram cursos na universidade. Era uma articulação com o que fazia na teoria. Assim como o curso de criação literária que criamos. Eu achava que, em um curso de Letras, as pessoas tinham que aprender a escrever", relembra Sant'Anna.

Acessível
A preocupação em articular as teses mais recentes acerca da literatura e o que se produzia a época também serviram de baliza para as críticas publicadas na Veja. Nelas, a prosa de Sant'Anna é quase transparente, fazendo parecer fácil o que se estava a debater na universidade e nos círculos literários. "Comecei a escrever em jornal aos 16 anos, em Juiz de Fora. Num certo momento, cheguei a pensar que ia ser jornalista. Depois, trabalhei nos jornais de Belo Horizonte e no Jornal do Brasil, no Rio, quando o Fernando Gabeira era o chefe da redação. Essa passagem pelos jornais me ensinou a escrever mais claro", conta o autor.

É com facilidade que ele trata de temas nada fáceis, como a prosa experimental, de ascendência joyceana, de Paulo Leminski, em "Catatau"; da fase armorial de Raimundo Carrero; e de livros (então) novos de Ferreira Gullar e João Cabral de Melo Neto. Igualmente acessível é o ousado ensaio sobre a "relação edipiana" entre Carlos Drummond de Andrade e João Cabral. Admirador do mestre modernista mineiro, Cabral foi "rejeitado" e, por conta disso, obrigado a inventar seu próprio caminho. Uma história que Sant'Anna conta bem - com a eficácia dos bons narradores.

*Publicado no dia 2 de dezembro no Caderno 3