terça-feira, 16 de dezembro de 2014
Teorias do símbolo*
Quem ocupa o centro da argumentação de Todorov em Teorias do símbolo é Santo Agostinho, ou Agostinho de Hipona, teólogo e filósofo que viveu entre 354 e 430
Por Kelvin Falcão Klein*
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Foto por Marti Fradera
Todorov: constelação de momentos de intensidade em torno do símbolo |
O que é um símbolo? Está ligado àquilo que o mundo oferece aos sentidos ou àquilo que a mente desenvolve por si só, de forma abstrata? Depende de quem pergunta e quem responde – Aristóteles, no quarto século antes de Cristo; Santo Agostinho, no quarto século depois de Cristo; Sigmund Freud, na passagem do século XIX para o XX? Esses autores e muitos outros entram na equação armada por Tzvetan Todorov em seu livro Teorias do símbolo (tradução de Roberto Leal Ferreira, Editora UNESP, 2014, 520 p.), lançado originalmente em 1977 e que agora ganha reedição depois de anos esgotado.
A história contada por Todorov é parcial, e ele é o primeiro a reconhecer isso, desde a introdução. Isso porque a história do símbolo se confunde com a história do pensamento humano, com a história da linguagem e da significação. E o símbolo, por sua vez, se confunde com o signo, que se confunde com a metáfora, que se confunde com a alegoria, e assim por diante, indefinidamente. Por isso a necessidade da escolha, e, a partir daí, a demarcação de pontos de ancoragem na história, pontos que, no caso da argumentação de Todorov, se traduzem em nomes, datas e conceitos: Schelling e sua noção de “mitologia” na Filosofia da arte, de 1802, por exemplo, ou Du Marsais e sua noção de “figura” em Dos Tropos, de 1818.
Quem ocupa o centro da argumentação de Todorov em Teorias do símbolo é Santo Agostinho, ou Agostinho de Hipona, teólogo e filósofo que viveu entre 354 e 430. Tal centralidade se justifica na medida em que Agostinho realiza tanto uma atualização e um confronto com teóricos anteriores a ele (como Aristóteles e Clemente de Alexandria), quanto a preparação de um pensamento que será basilar para a configuração da Idade Média. Além disso, a teoria do símbolo de Agostinho faz parte de um projeto maior, um projeto que se tornou majoritário e incontornável no Ocidente, ou seja, o cristianismo. Em paralelo a esse foco religioso restrito de Agostinho – pois todo símbolo deve remeter ao símbolo supremo que é Deus –, Todorov também salienta o aspecto literário da questão: a partir desse momento histórico o símbolo estará irremediavelmente ligado a um paradigma que diz respeito tanto à retórica (o exercício de falar bem) quanto à hermenêutica (o exercício de ler bem), e, consequentemente, à história da literatura, da linguagem e da textualidade.
Mas essa dupla condensação proposta por Agostinho e tomada por Todorov como hegemônica não é, contudo, homogênea ou mesmo historicamente predominante. Existem forças arcaicas operando também na noção de símbolo que o ser humano pode ter e desenvolver, forças que emergem de um substrato mítico que envolve, entre outros elementos, a leitura e interpretação dos fenômenos da natureza (os raios, as estrelas, o sol e a lua), as técnicas de adivinhação do futuro (através das vísceras de animais sacrificados) e, é claro, o intenso trabalho de decodificação das mensagens oníricas. Esse cenário histórico heterogêneo – que Todorov capta com pinceladas amplas, dando saltos temporais e investindo em analogias bastante criativas, por vezes até audaciosas – permite a ligação entre a Onirocrítica de Artemidoro (do segundo século depois de Cristo) e a Interpretação dos sonhos de Sigmund Freud, de 1899, por exemplo (Freud que ocupará um amplo espaço na última parte de Teorias do símbolo).
Qual a justificativa para essa liberdade que Todorov toma diante da história? É ele mesmo quem responde, na conclusão do livro: “à variabilidade sincrônica das línguas se soma a variabilidade diacrônica dos períodos (a sincronia não se opõe, é claro, à diacronia; mas as duas juntas se opõem à pancronia, ou até à acronia, implicada pelas gramáticas gerais). Assim, no tempo como no espaço, as diferenças são irredutíveis e, com isso, mais importantes que a identidade”. Ou ainda, a história não como “exemplificação de uma essência eterna”, mas como “um desenrolar-se irreversível e irredutível”. Trata-se, portanto, da parte de Todorov em Teorias do símbolo, de uma dinâmica discursiva que investe no acúmulo de contradições e paradoxos, e não na busca de “essências” ou “identidades”. Todorov busca expor uma constelação de momentos de intensidade e confronto em torno do símbolo, suas possibilidades e suas definições – um percurso que se resolve não na progressão cronológica, teleológica, mas na concatenação paciente de “tradições e terminologias divergentes”.
*Artigo publicado originalmente na revista Subtrópicos de outubro de 2014.