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terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Todorov: ficção como caminho fundamental para o conhecimento 
Até janeiro, chega às livrarias Teoria da literatura, primeiro livro da coleção Tzvetan Todorov, da Editora Unesp. Trata-se de uma coletânea de 14 textos de oito dos chamados “formalistas” russos, reunidos e traduzidos para o francês por Todorov. O segundo livro da coleção (A vida em comum) deve ser lançado em março. Nascido em 1939 na Bulgária, o filósofo e linguista Todorov é um dos pensadores mais prestigiados da atualidade. A ficção, para ele, é preciosa, pois estaria nos livros a sabedoria que os povos de todo o planeta adquiriram ao longo da história. Confira trecho do artigo de abertura de Teoria da literatura, assinado por B. Tomachevski.



A teoria do “método formal”
B. Tomachevsk

“[...] somos livres o bastante em relação às nossas próprias teorias; e, a nosso ver, toda ciência deveria sê-lo, na medida em que há uma diferença entre a teoria e a convicção. Não existe ciência já feita, a ciência vive superando os erros, e não estabelecendo verdades.”

O chamado “método formal” resulta não de um sistema “metodológico” particular, mas de tentativas de criação de uma ciência autônoma e concreta. Em geral, a noção de “método” ganhou proporções imensas, significa agora coisas demais. Para os “formalistas”, o essencial não é o problema do método nos estudos literários, mas o da literatura enquanto objeto de estudo. Na realidade, não falamos nem discutimos sobre nenhuma metodologia. Falamos e podemos falar só de alguns princípios. Neste artigo, chamo “formalistas” ao grupo de teóricos que se constituíram numa “sociedade para o estudo da língua poética” (Opojaz) e vêm publicando suas coletâneas desde 1916. (N. A.) teóricos que nos são sugeridos pelo estudo de uma matéria concreta e de suas particularidades específicas, e não por este ou aquele sistema já feito, metodológico ou estético. Os trabalhos dos formalistas que tratam da teoria e da história literárias exprimem estes princípios, que não seria inútil tentar resumir: não como um sistema dogmático, mas como um balanço histórico. Importa mostrar como o trabalho dos formalistas começou, como e em quê ele evolui.
O elemento evolutivo é importantíssimo para a história do método formal. Os nossos adversários e muitos de nossos discípulos não o levam em conta. Estamos rodeados de ecléticos e de epígonos que transformam o método formal num sistema imóvel de “formalismo” que lhes serve na elaboração de termos, esquemas e classificações. É fácil criticar esse sistema, mas ele não é característico do método formal. Não tínhamos, e ainda não temos, nenhuma doutrina ou sistema já acabado. No nosso trabalho científico, apreciamos a teoria unicamente como hipótese de trabalho, por meio da qual indicamos e compreendemos os fatos: descobrimos o caráter sistemático, graças ao qual eles se tornam matéria de estudo. É por isso que não nos ocupamos com definições, de que os epígonos são tão ávidos, e não construímos teorias gerais, que os ecléticos acham tão agradáveis. Estabelecemos princípios concretos e, na medida em que podem ser aplicados a uma matéria, nos apegamos a tais princípios. Se a matéria exige uma complicação ou uma modificação dos nossos princípios, nós, de imediato, a operamos. Neste sentido, somos livres o bastante em relação às nossas próprias teorias; e, a nosso ver, toda ciência deveria sê-lo, na medida em que há uma diferença entre a teoria e a convicção. Não existe ciência já feita, a ciência vive superando os erros, e não estabelecendo verdades.

O objetivo deste artigo não é polêmico. O período inicial de discussões científicas e de polêmicas jornalísticas já acabou. Só novos trabalhos científicos podem responder a esse tipo de polêmica, de que Imprensa e Revolução (1924, n.5) me achou digno. Minha tarefa principal é mostrar como, evoluindo e ampliando o campo de seu estudo, o método formal superou inteiramente os limites do que em geral chamamos de metodologia e como ele se transformou numa ciência autônoma, que tem como objeto a literatura considerada como série específica de fatos. Diversos métodos podem ter seu lugar no âmbito dessa ciência, com a condição de que a atenção permaneça concentrada no caráter intrínseco da matéria estudada. Era esse, na realidade, o desejo dos formalistas desde o começo, e era esse o sentido de sua luta contra as velhas tradições. O nome de “método formal”, solidamente ligado a esse movimento, deve ser compreendido como uma denominação convencional, como um termo histórico, e não devemos apoiar-nos nele como numa definição válida. O que nos caracteriza não é o “formalismo” enquanto teoria estética, nem uma “metodologia” que represente um sistema científico definido, mas o desejo de criar uma ciência literária autônoma, a partir das qualidades intrínsecas do material literário. Nosso único objetivo é a consciência teórica e histórica dos fatos que pertencem à arte literária enquanto tal. Muitas vezes, e de diferentes pontos de vista, se censurou aos representantes do método formal o caráter obscuro ou a insuficiência de seus princípios, a indiferença para com os problemas gerais da estética, da psicologia, da sociologia etc. Essas censuras, apesar de suas diferenças qualitativas, são igualmente fundadas, no sentido de darem corretamente conta da distância desejada que separa os formalistas tanto da estética quanto de toda teoria geral já acabada ou que pretenda sê-lo. Esse distanciamento, sobretudo da estética, é um fenômeno que caracteriza em maior ou menor medida todos os estudos contemporâneos sobre a arte. Depois de ter deixado de lado muitos problemas gerais, como o problema do belo, do sentido da arte etc., esses estudos se concentraram nos problemas concretos colocados pela análise da obra de arte (Kunstwissenschaft). O problema da compreensão da forma artística e de sua evolução voltou a ser questionado, fora das premissas impostas pela estética geral. Ele era seguido de numerosos problemas concretos ligados à história e à teoria da arte. Surgiram slogans reveladores, no estilo do de Wölfflin, História da arte sem nomes (Kunstgeschichte ohne Namen), seguidos de tentativas sintomáticas de análise concreta de estilos e procedimentos, como o Ensaio de estudo comparativo dos quadros, de K. Foll. Na Alemanha, a teoria e a história das artes figurativas eram as disciplinas mais ricas em experiências e tradições e ocuparam um lugar central no estudo das artes, influenciando, em seguida, tanto a teoria geral da arte quanto as disciplinas particulares, em especial os estudos literários. Em consequência de razões históricas locais, na Rússia, foi a ciência literária que ocupou um lugar análogo. O método formal chamou a atenção e se tornou um problema atual, não, é claro, por causa de suas particularidades metodológicas, mas em razão de sua postura em relação à interpretação ou ao estudo da arte. Destacavam-se claramente nos trabalhos dos formalistas certos princípios que contradiziam as tradições e os axiomas, à primeira vista estáveis, da ciência literária e da estética em geral. Graças a essa precisão dos princípios, reduziu-se consideravelmente a distância que separava os problemas particulares da ciência literária dos problemas gerais da estética. As noções e os princípios elaborados pelos formalistas e usados como fundamento para seus estudos visavam, embora conservando seu caráter concreto, à teoria geral da arte. O renascimento da poética que, naquele momento, fora completamente posta de lado, aconteceu sob a forma de uma invasão do campo inteiro dos estudos sobre a arte, que não se limitava a reconsiderar certos problemas particulares.
Situação que resulta de toda uma série de eventos históricos, dos quais os mais importantes são a crise da estética filosófica e a reviravolta brusca que observamos na arte, reviravolta que, na Rússia, escolheu a poesia como campo de eleição. A estética viu-se despida, enquanto a arte assumiu voluntariamente uma
forma despojada e já não observava senão as convenções mais primitivas. O método formal e o futurismo viram-se, portanto, historicamente ligados um ao outro. [...]

Coleção Todorov no jornal O Estado de S. Paulo. Confira!