sexta-feira, 12 de setembro de 2014
O direito de voto
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Keyssar: investigação da controvérsia sobre o direito de votos nos EUA |
Neste livro, que será lançado em outubro, Alexander Keyssar apresenta uma história abrangente do direito de voto nos EUA, desde o nascimento da nação até o presente, englobando leis e políticas nacionais e também os acontecimentos em toda federação. A pesquisa concentra-se na história jurídica e política do sufrágio. “A noção de que os direitos políticos nos EUA sempre tenham sido controversos, por exemplo, parecia tão aplicável ao início do século XXI como ao século XIX; mas essa própria continuidade requeria maiores investigações”, escreve.
Confira trecho inédito*:
Mulheres, afro-americanos e nativos americanos
Um dos primeiros atos de restrição do sufrágio, ou retração, foi a privação do direito de voto das mulheres em Nova Jersey, em 1807. Tanto a constituição estadual de 1776 como uma lei eleitoral aprovada em 1790 concediam o direito de voto a todos os “habitantes” que reuniam os requisitos: a interpretação local foi de que as mulheres que eram proprietárias podiam votar. A política de Nova Jersey foi excepcional – ainda que em toda a nova nação existissem indivíduos que seguiam a lógica dos argumentos da “participação na sociedade” para além da fronteira costumeira do gênero, e concluíam que as mulheres (como as viúvas), na condição de proprietárias e sem dependência legal dos homens, deveriam receber o direito de voto. O motivo pelo qual o estado de Nova Jersey seguiu esse ponto de vista minoritário não é claro, mas o empoderamento do direito de voto das mulheres com certeza não foi acidental e parece ter sido baseada, ao menos em parte, na política entre facções. À medida que os diferentes grupos políticos lutavam pela supremacia durante e logo após a revolução, tentavam ampliar seus potenciais eleitores, entre os quais a população feminina.
No entanto, o que a política partidária podia dar, ela também podia tirar. No início do século XIX, o equilíbrio de poder político havia mudado, as acusações de fraude eleitoral eram excessivas e os federalistas, bem como dois grupos concorrentes de republicanos, concluíram que não era mais vantajoso ter todos os “habitantes” – inclusive as mulheres, os estrangeiros e os afro-americanos – no eleitorado. Depois que o impulso de renovar a vida política havia sido reforçado por uma eleição claramente corrupta para selecionar o local para um fórum judiciário no condado de Essex, o poder legislativo de Nova Jersey encarregou-se de declarar que “nenhuma pessoa poderá votar em qualquer eleição do estado ou município para representantes do governo dos Estados Unidos ou deste estado, exceto se essa pessoa for um cidadão do sexo masculino de cor branca.” Aqueles que apoiaram esta retração fizeram pouca ou nenhuma menção à falta de capacidade de votar das mulheres; os legisladores estavam simplesmente combatendo a corrupção, corrigindo um “defeito” na constituição e esclarecendo “dúvidas” sobre a composição do eleitorado. Uma vez corrigido esse defeito constitucional, as mulheres em todos os lugares do país foram impedidas de votar.
Os afro-americanos eram o alvo de um movimento muito mais amplo no Norte, bem como em algumas zonas do Sul, onde os negros livres haviam votado algumas vezes. As Tabelas A.4 e A.5 deixam claro que o número de estados que excluíram de modo formal os afro-americanos livres era relativamente pequeno na fundação da nação, mas aumentou de forma constante entre 1790 e 1850. Os estados que haviam permitido o voto aos negros durante os primeiros anos de independência, incluindo Nova Jersey, Maryland e Connecticut, limitaram o direito de voto aos brancos antes de 1820. Nova York excluiu a grande maioria dos negros (instituindo um conjunto de requisitos de propriedade e residência específico em termos raciais) na mesma constituição em que removeu as qualificações de propriedade para os brancos. Em 1835, a Carolina do Norte acrescentou a palavra “branco” aos seus requisitos constitucionais e a Pensilvânia, que tinha uma constituição tão liberal durante a era revolucionária, fez o mesmo em 1838, dois anos após sua suprema corte decidir que os negros não podiam votar porque eram não “homens livres”. De igual importância, todos os estados que entraram na união depois de 1819 proibiram o voto aos negros. No final dos anos 1840 e início dos anos 1850, além disso, muitos estados (incluindo Nova York, Ohio, Indiana e Wisconsin) reafirmaram suas exclusões raciais, seja em convenções constitucionais, seja por referendos populares. Por volta de 1855, apenas cinco estados (Massachusetts, Vermont, New Hampshire, Maine e Rhode Island) não discriminavam os afro-americanos, e estes estados continham apenas 4 por cento da população negra livre do país. Cabe destacar que o governo federal também proibiu o voto aos negros nos territórios sob seu controle; em 1857, a Suprema Corte decidiu que os negros, livres ou escravos, não poderiam ser cidadãos dos Estados Unidos.
*Extraído do capítulo "Mulheres, afro-americanos e nativos americanos, páginas 100 e 101.