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quarta-feira, 18 de junho de 2014

A globalização foi longe demais?


Rodrik:  processo é desastroso para trabalhadores menos qualificados















Enormes déficits fiscais, desemprego e cortes em programas sociais: A globalização foi longe demais? É a pergunta que move Dani Rodrik ao investigar as possíveis causas e as soluções plausíveis para os efeitos atribuídos à expansão do comércio global. Tido como um dos principais economistas políticos deste início de século XXI, ele elabora uma análise que une fartos dados estatísticos e conclusões. O livro chega às livrarias até julho. Confira trecho inédito:                                                                                                                                                   

Consequências do comércio para mercados de trabalho e as relações de trabalho*

Desde a segunda metade da década de 1970, os mercados de trabalho dos Estados Unidos e da Europa Ocidental vêm tendo um péssimo desempenho no que se refere aos grupos menos qualificados. Como declarou um renomado economista do trabalho, “um desastre econômico se abateu sobre os norte-americanos menos qualificados”. (Freeman, 1996a, p.2)
O desastre tem dois ingredientes de reforço. Um deles é o aumento salarial para o trabalho qualificado, que encontra expressão em uma erosão dos ganhos reais daqueles que abandonaram os estudos no segundo grau: os salários horários reais dos rapazes com doze anos ou menos de escolaridade caíram mais de 20% nas duas últimas décadas. O segundo ingrediente é um aumento significativo na instabilidade e insegurança do mercado de trabalho, encontrando expressão em uma maior volatilidade de curto prazo nos ganhos e nas horas trabalhadas e um aumento na desigualdade dentro dos grupos de habilidades. Os trabalhadores menos qualificados carregam o fardo dessa instabilidade. Os índices de perda de emprego também estão em  alta, mas aparentemente o aumento está menos concentrado na extremidade inferior da distribuição dos ganhos. A ansiedade e a insegurança que essas tendências geram estão refletidas nas pesquisas de opinião. Enquanto isso, na Europa continental os salários reais aumentaram na extremidade inferior da distribuição das qualificações, mas à custa de um aumento significativo do desemprego, especialmente no que se refere aos Estados Unidos (Freeman, 1996a). Em suma, nem os Estados Unidos nem a Europa conseguiram gerar um crescimento constante de “bons empregos”.
A situação conturbada dos mercados de trabalho nas economias industriais avançadas conduziu muitos grupos influentes da sociedade – formuladores de políticas, advogados trabalhistas e especialistas em geral – a vincular esses males diretamente à globalização. Esses grupos têm alegado que a competição intensificada dos países de baixos salários, tanto como fontes de importações quanto como anfitriões de investidores estrangeiros, é em grande parte responsável pela deterioração dos destinos dos trabalhadores pouco qualificados. Por outro lado, a maioria dos economistas especializados em comércio tem declarado que, embora o comércio com os países de baixos salários possa ter contribuído para as tendências anteriormente descritas, esse comércio ainda é pequeno demais para ter um efeito significativo nos resultados do mercado de trabalho no Norte. Esses economistas preferem colocar a maior parcela de culpa na mudança tecnológica que privilegia as especializações, o que supostamente reduziu a demanda por trabalhadores menos qualificados.
Ironicamente, eximindo o comércio de qualquer responsabilidade significante pelo desconforto nos mercados de trabalho dos países industrializados, os economistas tomaram um curso que se ajusta desconfortavelmente à sua fé nos benefícios do livre-comércio. Um pilar da teoria comercial tradicional é que o comércio com países de mão de obra abundante reduz os salários reais nos países ricos – ou aumenta o desemprego se os salários forem fixados artificialmente. Na verdade, no modelo padrão das dotações de fatores, o comércio cria ganhos para as nações precisamente alterando a relativa escassez doméstica de fatores de produção como a mão de obra. Por isso, dizer que o impacto da globalização nos mercados de trabalho dos países avançados é quantitativamente menor no mundo real, e superado por outros fenômenos (como a mudança tecnológica), não é diferente de dizer que os ganhos provenientes do comércio têm sido pequenos na prática. Inversamente, se acreditamos que o comércio expandido foi uma fonte de muitas das coisas boas que as economias industrializadas avançadas experimentaram nas últimas décadas, somos forçados a presumir que o comércio teve também muitas das consequências negativas que seus oponentes têm alegado.
Este capítulo se concentra em dois canais por meio dos quais a globalização afeta os mercados de trabalho no Norte. O primeiro deles, e aquele que tem sido mais extensivamente examinado na literatura, é o efeito da globalização sobre as demandas relativas por trabalhadores qualificados e não qualificados. Como os países em desenvolvimento tendem a exportar produtos que fazem um uso relativamente intensivo de mão de obra não qualificada, o comércio com esses países desaloja a produção de mão de obra intensiva não qualificada nos Estados Unidos e na Europa Ocidental e, desse modo, reduz a demanda de mão de obra não qualificada nesses locais. Em termos técnicos, o comércio resulta em um deslocamento interno na curva da demanda por mão de obra não qualificada nesses países avançados.
O segundo canal tem a ver com a maior facilidade com que os trabalhadores locais, particularmente aqueles do tipo não qualificado, podem ser substituídos por outros trabalhadores além das fronteiras nacionais,, quer por meio do comércio (terceirização), quer por meio do investimento estrangeiro direto (foreign direct investment – FDI). Usando mais uma vez os termos técnicos, o comércio achata a curva da demanda por mão de obra local e aumenta a elasticidade da demanda por mão de obra – isto é, o comércio aumenta o grau em que os empregadores podem reagir às mudanças nos salários prevalecentes terceirizando ou investindo no estrangeiro. Considerados juntos, um deslocamento interno e um achatamento das curvas de demanda por trabalhadores não qualificados reduzem os ganhos médios dos trabalhadores não qualificados e aumentam tanto a dispersão dos ganhos entre esses trabalhadores, quanto a volatilidade nos salários e as horas trabalhadas. Isso pode explicar por que a vida se tornou mais precária, e a insegurança maior, para vastos segmentos da população trabalhadora.

*Trecho extraído das páginas 15 a 18