quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014
A visão do fantástico de David Roas
A ameaça do fantástico - aproximações teóricas, de David Roas, que a Editora Unesp lança até março, é a primeira obra do espanhol traduzida no Brasil. Trata do conceito de fantástico/fantasia na literatura e de como essa modalidade artística é absorvida pelos leitores, traçando ainda sua trajetória e sublinhando sua rápida expansão entre as preferências literárias de jovens e adultos. Confira trecho inédito:
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Roas: o fantástico abala a segurança do leitor diante do mundo real |
"Para Roas, é importante frisar que o fantástico não se confunde com a simples fantasia, com o jogo, com o maravilhoso ao estilo de Tolkien. O fantástico, para o escritor espanhol, nutre-se do real, é profundamente realista, porque sempre oferece uma transgressão dos parâmetros que regem a ideia de realidade do leitor. Para conseguir esse efeito, é necessário estabelecer, em primeiro lugar, uma identidade entre o mundo ficcional e a realidade extratextual. Mas não basta reproduzir no texto o funcionamento físico dessa realidade, que é condição indispensável para produzir o efeito de fantástico; é preciso que o espaço da ficção seja uma duplicação do âmbito cotidiano em que está situado o leitor. Ele deve reconhecer e se reconhecer no espaço representado pelo texto. Por isso o fantástico é inquietante, constitui uma subversão do nosso mundo.A perspectiva teórica acerca do fantástico exposta por David Roas em seu ensaio A ameaça do fantástico – Aproximações teóricas que o leitor tem em mãos, estabelece, ao longo de seis capítulos, um painel elucidativo sobre as diversas concepções teóricas que têm pautado os estudos sobre o fantástico e aponta as principais diretrizes contemporâneas. Roas destaca que a maior parte dos críticos coincide em apontar que a presença de um fenômeno sobrenatural é indispensável para que o efeito do fantástico seja produzido nos relatos. Sobrenatural seria tudo aquilo que transcende a realidade humana, aquilo que transgride as leis que regem o mundo real e não pode ser explicado porque não existe segundo essas leis. Mas isso não significa que todos os textos nos quais aparece um fenômeno sobrenatural sejam fantásticos. Nas epopeias gregas, nas novelas de cavalaria, nos relatos utópicos ou de ficção científica é possível encontrar elementos sobrenaturais, mas isso não é fundamental para a caracterização desses subgêneros. No entanto, a literatura fantástica é o único gênero literário que não pode funcionar sem a presença do sobrenatural. E, para que funcione, o relato fantástico deve criar um espaço similar ao habitado pelo leitor, um espaço que será invadido por um fenômeno desestabilizador. Por esse motivo, o sobrenatural será sempre uma ameaça para a realidade, cujas leis parecem imutáveis.
O fantástico situa o leitor diante do sobrenatural com o propósito de levá-lo a perder sua segurança diante do mundo real. E esse fenômeno se mostra irredutível, não é possível inseri-lo no contexto do conhecido nem assimilá-lo. Nesse ponto, Roas destaca a importância da elaboração linguística como elemento decisivo na produção do efeito do fantástico sobre o leitor. Afirma também que o leitor precisa contrastar o fenômeno sobrenatural com a concepção de real, uma vez que toda representação da realidade depende do modelo de mundo de uma dada cultura. A participação ativa do leitor é fundamental para a existência do fantástico, porque o leitor precisa contrastar a história narrada com o real extratextual para considerá-lo como relato fantástico. O fantástico dependerá sempre do que seja considerado real e o real depende do conhecido. Nesse sentido, Roas destaca as contribuições da Física e outras ciências no que diz respeito à compreensão de diversos fenômenos, e como essa visão científica tem sido assimilada por teóricos e escritores e também pelos leitores, possibilitando novas abordagens em relação ao real e ao fantástico.Outro ponto fundamental da abordagem de Roas diz respeito ao contraste entre fantástico e grotesco. Ambos possuem afinidades em relação a alguns efeitos sobre o leitor, no entanto, o grotesco constitui uma transgressão que almeja, entre outras coisas, deformar o real conhecido para produzir o riso. Em suma, Roas propõe uma abordagem caleidoscópica do fantástico, apoiada na incursão em diversos campos do conhecimento, o estético, linguístico, científico e filosófico, configurando um convite a adentrar no território sempre inquietante do fantástico."
*Texto extraído da “Apresentação do autor”, de Roxana Guadalupe Herrera Alvarez (Departamento de Letras Modernas – IBILCE/Unesp).