segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015
Arquitetura e urbanismo no Vale do Paraíba
Escrita por Percival Tirapeli, esta obra examina a rica arquitetura do período mais próspero da região, o pós-colonial. Com farto material iconográfico, apresenta uma série de aquarelas e fotografias da época em que os grandes fazendeiros construíram palacetes e ornamentaram as igrejas da região. Confira a seguir trecho da obra que chega às livrarias nos próximos dias:
Construções religiosas e urbanismo*
 |
Imagem pertencente ao acervo do autor Fazenda Santana, Lagoinha |
Os religiosos instalaram-se na entrada do caminho do Vale, a exemplo dos jesuítas, desde as reduções de São Miguel, Itaquaquecetuba e Freguesia de Nossa Senhora da Escada, em Guararema (local da árvore pau-d’alho). Os carmelitas ficaram na antiga vila de Mogi das Cruzes e os beneditinos, na fazenda Parateí, nos arredores da mesma vila. Cruzando o Rio Paraíba, em Jacareí (rio das pedras ou jacarés), os jesuítas dirigiram-se a São José dos Campos e lá permaneceram por um curto período. O clero secular que atuou nas igrejas do Vale foi o responsável pela fundação de capelas que se tornaram núcleos de povoamento. Os franciscanos, por fazerem voto de pobreza e terem as graças do rei, fundaram, a pedido dos taubateanos, que descobriram as minas auríferas, o Convento de Santa Clara na então vila no centro geográfico do Vale, de onde os bandeirantes partiram em busca do ouro em Minas Gerais.
Pode-se esquematizar o povoamento do Vale em basicamente três ciclos: o primeiro é o ciclo taubateano, em seguida o do ouro e, por último, o do café. No primeiro ciclo, o rio foi o caminho natural a interligar Guaratinguetá (reunião de garças brancas), Cunha e Paraty, no litoral. No ciclo do ouro, a caminho das minas auríferas, foram utilizadas vias de circulação até Minas Gerais por Lorena. E no terceiro ciclo, o do café, seguiu-se desde o Rio de Janeiro por Bananal.
O ciclo taubateano nos legou dois patrimônios religiosos: São Bom Jesus do Tremembé (fonte de água afamada ou margem do rio) e Nossa Senhora do Bom Sucesso (Pindamonhangaba, lugar onde se faz anzol). No ciclo do ouro, quando as vilas foram fundadas em função das vias de circulação, Caçapava, Guaypacaré e Bocaina foram dotadas de patrimônio, incluindo Aparecida, posteriormente. No ciclo do café, a vila de Santa Branca, em 1833, era um patrimônio religioso doado por Domingos de Godoy Brito.
A ligação entre religião e fundação de vilas não se limita aos patrimônios, que são consequência maior do pensamento de homens que envolviam o clero secular em seus negócios.
Passada a fase heroica da catequese intensa, esta representada na figura do pároco, o senhor abade tão lusitano, com que se honra a família brasileira nascente, pois um de seus anelos é ter um membro padre, que, de volta do seminário, assume a função vicarial de sua vila. Muitos deles chegaram à liderança política, possuem escravos e deixam até descendência.
 |
Foto de Victor Hugo Mori Praça da Igreja Matriz em São Luiz do Paraitinga |
No Vale, não bastou fundar vilas. Desde a fazenda, era o proprietário que orientava a vila situada em suas posses. “A vitória da fazenda orientou definitivamente o Brasil para a dispersão, e o país viu-se privado para todo o sempre do quadro da vila”. As cidades-pouso das estradas, ou ainda as paradas obrigatórias para registros, pedágios e fiscalizações, somam-se àquelas que se posicionavam nos desvios ou apenas nas passagens.
Os rios Paraibuna, Paraitinga e Paraíba do Sul influenciaram em dois aspectos a formação dos núcleos: pela navegação e por permitirem a travessia. Tais núcleos, que ficavam nas terras dos fazendeiros, recebiam a estabilização com o erguimento da capela. Esta, por sua vez, também visava a fins econômicos, como o loteamento das terras ao seu redor.
Cada pessoa tinha o seu orago, ou seja, a sua invocação religiosa. O reino de Portugal vivia sob o orago de Nossa Senhora da Conceição; o Morgado de Mateus, sob o de Nossa Senhora do Bom Sucesso, que também foi levado a Ouro Preto. Fazendeiros, padres e o povo em geral tinham seu orago, e aqueles que podiam homenagear o santo de sua invocação faziam-no também colocando o nome dele em suas propriedades, capelas e vilas.
Não bastava ter o orago como devoção. A materialização dessa invocação se fazia nas imagens, que eram transportadas e guardadas em oratórios ou altares portáteis. A imagem de Nossa Senhora Aparecida, encontrada em 1717, é exemplo de como um oratório pode transformar-se em povoação. Anastásio Pedroso construiu o oratório nas terras do capitão Antônio Amaro Lobo de Oliveira, que tinha parentesco com as famílias de Santo Amaro, São Paulo e Santana de Parnaíba. Poder-se-ia cogitar que a imagem foi perdida ou atirada ao rio, quando do transporte do oratório original, pois o barro da sua feitura é comprovadamente paulista, da região de Santana de Parnaíba.
* Trecho extraído das páginas 34 e 35.