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terça-feira, 27 de janeiro de 2015

50 anos depois - Estudos literários no Brasil contemporâneo

Os ensaios que compõem esta obra resgatam a memória de um dos mais importantes encontros literários da história do Brasil – o 2º Congresso Brasileiro de Crítica e História Literária, realizado em 1961 na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Assis – e propõem uma reflexão sobre a produção literária brasileira contemporânea e a riqueza crítica e historiográfica que floresceu desde aquela época. O livro chega às livrarias em fevereiro. Confira, a seguir, texto de Antonio Candido sobre o encontro: 

Candido: pela primeira vez, os poetas concretos foram postos em destaque
A organização do 2º Congresso*

Antonio Candido

Não sei se me lembro bem do Congresso; já faz tanto tempo! Mas lembro que foi bem preparado. Houve muita discussão, muita troca de ideias. Os principais organizadores foram Antônio Soares Amora, Jorge de Sena e eu. Nós nos encontrávamos aqui em São Paulo, na Faculdade de Filosofia, Rua Maria Antônia, e lembro que Wilson Martins, o ilustre crítico paranaense, participou de pelo menos uma conversa de planejamento. Mas fomos basicamente Jorge de Sena, Antônio Soares Amora e eu que imaginamos tudo, e assim foi feito. Imagino que a seguir os colegas de Assis devam ter dado a sua contribuição.

Nós tivemos a ideia de fazer uma homenagem especial a Álvaro Lins, grande crítico que nós todos admirávamos. Nós o convidamos, mas ele não pôde atender. Não lembro se foi mantida a homenagem especial a ele, mas essa ideia era presente em todos nós.

Eu não pude ficar até o fim do Congresso por causa de problemas de saúde na família, mas guardo a lembrança de que foram sessões muito sérias. Tenho a impressão de que todo mundo estava empenhado. Foram feitas comunicações originais, e o tom de seriedade era grande.

Houve um toque interessante: creio que, pela primeira vez, os poetas concretos foram postos em destaque. A novidade naquele tempo era a poesia concreta, e nós demos aos jovens poetas concretos a oportunidade de aparecerem em um evento importante e darem a sua mensagem.

Outra coisa importante foi o número de pessoas que já tinham nome ou estavam fazendo nome. Nesse Congresso, por exemplo, conheci João Alexandre Barbosa, que era um rapaz de 23 anos, vindo do Recife. Eu não sabia quem era, e em Assis ele se revelou. Tanto assim que depois, quando foi cassado em Brasília, eu o chamei para trabalhar comigo. Lembro de outros conhecimentos que fiz na ocasião. Do Rio Grande do Sul veio um rapaz brilhante, Paulo Haecker Filho, cuja atuação foi muito boa. Veio de Pernambuco Joel Pontes, que também deu uma boa contribuição. Veio o pessoal do Rio de Janeiro, de Minas. Houve naquele momento realmente uma presença de centros culturais importantes do Brasil, o que foi positivo.

Tudo isso conferiu ao Congresso uma importância grande, que se reflete nos seus Anais. Os Anais do Congresso de Assis são, a meu ver, das coisas mais importantes que houve até então em matéria de registro de atividade literária. Eu me lembro do 1º Congresso Brasileiro de Sociologia, de 1954, cujos anais eram importantes, e ficaram. A meu ver, os do Congresso de Assis ficaram também, foram um marco. Participei depois, em fins de 1963, do 3º Congresso, na Paraíba. Esse foi diferente, porque era organizado em torno da obra de José Lins do Rego. Foi muito interessante, mas não teve a universalidade e o nível dos debates do Congresso de Assis.

Uma coisa muito importante deste, que é preciso não esquecer, é que foi realizado numa faculdade de Letras. Salvo engano meu, Assis foi a primeira Faculdade propriamente de Letras do Brasil. Porque, pela lei, as Faculdades eram de Filosofia, Ciências e Letras, e no Estado de São Paulo, em 1958, foram criadas três: a de Rio Claro, a de Marília e a de Assis. Mas Amora declarou imediatamente: “Eu não faço Faculdade disso tudo. Vou fazer uma Faculdade de Letras”. Embora as três tenham ficado com o nome oficial, os outros diretores decidiram também se especializar e não fizeram tudo, escolheram setores. Rio Claro ficou com um determinado setor; Marília, com outro, e assim as três se completaram. Essa deliberação de Amora me parece que está um pouco na base da importância do Congresso, porque era um congresso de uma Faculdade de Letras, que chamava especialistas de Letras. Não havia nela outra especialidade. Isso eu creio que serviu, vamos dizer assim, para registrar a especificidade do Congresso de Assis.

O Congresso teve importância para a carreira de diversos participantes. Participaram dele muitos jovens, como Roberto Schwarz, por exemplo, que se tornou um dos críticos brasileiros mais importantes, com renome internacional, e estava começando. Para mim, pessoalmente, o Congresso foi importante, porque numa comunicação, que depois desenvolvi, pude, pela primeira vez, expor publicamente o meu ponto de vista sobre a relação entre literatura e sociedade, mas não do ponto de vista sociológico, mostrando como é que o importante é o dado social ou o dado psíquico ser transformado em forma literária. Isso estava amadurecendo na minha cabeça, e eu já tinha tentado em Assis, quando era professor, numa comunicação sobre o Caramuru, de Santa Rita Durão, um primeiro esforço para mostrar como é que o externo se transforma em interno, como é que o social e o psíquico deixam de ser social e psíquico para se tornarem realidade estética. No Congresso de Assis, pela primeira vez, pude fazer uma exposição teórica disso. Para mim foi muito importante.

O que posso dizer é que dos congressos que conheci, o de Assis foi dos que me pareceram mais bem organizados. Existe uma boa fotografia, em que estão Amora, Jorge de Sena e eu. Modéstia à parte, no que me toca, acho que essa trinca trabalhou bem. Amora era um homem que fazia as coisas com muita seriedade, Jorge de Sena tinha imaginação viva e era um grande espírito. De maneira que foi possível, graças a isso, dar uma boa organização ao Congresso, o que justifica o realce que teve.

Em suma, foi um congresso muito bom. A Faculdade de Assis – depois eu perdi o contato com ela – marcou época, a meu ver, na história do ensino de Literatura no Brasil. Para mim foi muito importante. Amora conseguiu criar lá um espírito de entusiasmo pelo trabalho, e isso deve ter continuado até hoje. Aliás, a ideia do Congresso está associada à própria criação da Faculdade de Assis.

Nasceu nas reuniões preliminares no Instituto de Estudos Portugueses, aqui em São Paulo, no qual nos reunimos durante meses para planejá-la. Lembro perfeitamente que no nosso projeto estavam previstos uma revista de Letras, uma série de livros ligados à crítica e ao ensino e eventos culturais, como colóquios, congressos. Essas três coisas foram deliberadas no começo. O que eu podia dizer era isso,e quis apenas ressaltar a grande importância cultural do Congresso.

*Trecho extraído das páginas 215 a 218.