sexta-feira, 2 de agosto de 2013
William Nozaki
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Jorge Araújo/Folha Imagens Não se pode minimizar o papel do consumo como instrumento de inclusão social | |
“Nesse momento o Brasil pode restaurar sua história interrompida pela ditadura militar, mas isso só acontecerá se os setores comprometidos, de fato, com a igualdade social voltarem a se unir em torno daquela bandeira que outrora lhes foi comum.”
O novo padrão de desenvolvimento implementado no Brasil tem revelado as incertezas dos setores mais progressistas da sociedade brasileira com relação a uma questão que outrora agregava os mais diversos setores da esquerda: a defesa da distribuição de renda.
No Brasil, o Golpe de 1964, ao tirar de cena as forças da democracia e do igualitarismo através do autoritarismo e da violência, produziu uma sociedade deformada. O modelo de crescimento econômico sem distribuição de renda permaneceu lastreado em ganhos de produtividade e lucratividade empresarial que não se converteram em aumentos de salários e direitos para os trabalhadores.
As empresas nacionais e as corporações internacionais desfrutaram de uma acumulação de capital vertiginosa, o que não era um mal em si mesmo e sim um fruto da expansão econômica. Entretanto, como essa expansão se deu à custa da convivência entre o complexo agroindustrial e a miséria rural, entre a industrialização e o rebaixamento do salário mínimo, entre o avanço dos bancos e a cisão entre o dinheiro do rico (com correção monetária) e o dinheiro do pobre (corroído pela inflação), o resultado foi a criação de um Brasil contemporâneo profundamente desigual.
Por trás do crescimento econômico que nos colocava no nível das maiores economias do mundo, escondia-se uma sociedade capaz de oferecer oportunidades muito desiguais para operários, bóias-frias, trabalhadores subalternos, funcionários de classe média, profissionais liberais, altos administradores, magnatas e empresários dos mais diversos setores.
Se, por um lado, é bem verdade que o país consolidou sua industrialização e sua urbanização nesse período abrindo espaço para algum nível de modernização, por outro lado, abriu-se um fosso na pirâmide de salários e rendas. Enquanto a pequena minoria que ocupa o topo da pirâmide desfruta de condições de vida muitas vezes superiores às de suas congêneres dos países centrais, a grande maioria dos que se acotovelam na base da pirâmide padece do desejo de consumo sem gozar do poder de compra necessário para sua satisfação.
Diante dessa constatação, as décadas de 1960 e 1980 trouxeram consigo um consenso partilhado pelos setores mais progressistas da sociedade brasileira: a necessidade de se lutar por uma distribuição de renda mais justa e igualitária.
Após a redemocratização, entretanto, os caminhos pela busca de uma melhor distribuição de renda no país começam a apresentar suas primeiras divergências.
Ao longo da década de 1990, diante do desmanche do Estado desenvolvimentista, da ruptura com o padrão de crescimento econômico e da proliferação do desemprego estrutural, a questão da renda foi posta em segundo plano, aparecendo na maior parte das vezes como um problema individual, passível de ser solucionada apenas com qualificação profissional, elevação de escolaridade e geração de melhores condições para a procura de colocação no mercado de trabalho. Naturalmente, tais elementos são importantes, mas ineficientes como medidas de distribuição de renda.
Já na década de 2000, dessa vez diante da reabilitação do Estado como agente planejador e coordenador do desenvolvimento, diante da restauração do nível de crescimento econômico e da ampliação do mercado formal de trabalho, a questão da renda foi resgatada como prioridade e foi tratada como um problema social, merecendo atenção específica e concentrada através do aumento real do salário mínimo, da ampliação de programas de transferência de renda e da expansão do acesso ao crédito para as camadas mais baixas da população.
A melhora substantiva na distribuição de renda já é reconhecida por todas as colorações minimamente progressistas como um avanço histórico conquistado pelos últimos dois presidentes. Prova disso é que hoje a paternidade do Bolsa Família é disputada pelos mais diversos segmentos e partidos políticos. No entanto, uma conseqüência óbvia e direta da distribuição de renda – a ampliação no poder de consumo – tem provocado, direta ou indiretamente, as mais intensas controvérsias.
Para parcela dos setores progressistas o consumo de massa tem o poder de difundir a oferta de crédito, de ampliar o acesso ao mercado e de expandir a qualidade de vida através do acesso aos bens de consumo duráveis, diminuindo a pobreza, aumentando o número daqueles que pertencem à classe média e conscientizando os trabalhadores. Já, para outra parte da esquerda, como o consumo de massa só pode acontecer por intermédio da difusão do crédito é ele o responsável pelo enriquecimento de banqueiros e rentistas, pela alienação da classe trabalhadora e por toda a sorte de destruições do meio-ambiente.
Se, por um lado, há um excesso de valorização do poder modernizador da sociedade de consumo como canal de ascensão social, por outro lado, há uma desqualificação exagerada do consumo como mecanismo dinamizador da economia e como instrumento capaz de promover a inclusão social.
O consumo de massa, entretanto, não deve ofuscar sua causa: a distribuição de renda. Nesse momento o Brasil pode restaurar sua história interrompida pela ditadura militar, mas isso só acontecerá se os setores comprometidos, de fato, com a igualdade social voltarem a se unir em torno daquela bandeira que outrora lhes foi comum. Caso contrário, permaneceremos sendo uma sociedade deformada.