sexta-feira, 30 de maio de 2014
Os limites da globalização
Por Vanessa Jurgenfeld*
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Rodrik prega novo modelo de crescimento para o Brasil |
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O economista Dani Rodrik é um dos poucos que, tendo como base um quadro teórico neoclássico, usualmente utiliza robustas análises empíricas para chegar a conclusões nada ortodoxas. Autores do prefácio de "A Globalização Foi Longe Demais?", livro de Rodrik que será lançado nos próximos dias em edição brasileira pela Editora Unesp, Glauco Arbix e Luis Caseiro, respectivamente presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e pesquisador do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), mostram como essa característica é importante para se entender a obra do autor de origem turca, que cresceu em Istambul e fez carreira nos Estados Unidos.
Rodrik, de fato, navega tanto na ortodoxia quanto na heterodoxia. Talvez por isso seja complicado definir sua produção intelectual. Alguns economistas, ao analisar o que ele escreveu, preferem não colocá-lo ao lado dos heterodoxos, e outros o afastam do chamado "mainstream".
"Apesar de ser um neoliberal de formação, Rodrik abriu caminho para que houvesse uma mescla com o pensamento heterodoxo", disse Arbix sobre o autor, em entrevista ao Valor. "Rodrik está no meio do caminho entre a ortodoxia e a heterodoxia", avalia Nelson Marconi, professor da Escola de Economia da FGV, em São Paulo. "Ele combina na sua análise alguns conceitos mais ortodoxos com diversos aspectos heterodoxos."
Ex-professor de economia política internacional na Universidade de Harvard, hoje no Instituto de Estudos Avançados da Escola de Ciências Sociais, cátedra Albert Hirschman, nos Estados Unidos, Rodrik é um dos economistas mais prestigiados e citados. Desde o início de sua carreira, escreve sobre temas densos como globalização, crescimento e desenvolvimento econômico e economia política, estabelecendo certo diálogo entre ortodoxia e heterodoxia. Quando "A Globalização Foi Longe Demais?", seu primeiro livro, foi publicado em 1997 (ele tinha 39 anos), economistas do "mainstream" entenderam que estava ali uma crítica à ortodoxia. Diziam que Rodrik dava, assim, argumentos ao outro lado.
O Brasil precisa de um novo modelo de crescimento, mas não há como refazer a história e adotar um modelo asiático, afirma Dani Rodrik
Nessa obra de estreia, Rodrik trata dos efeitos da globalização sobre as relações de trabalho e as instituições de bem-estar social dos países de industrialização avançada. Em seu entender, a globalização só pode ser bem-sucedida e sustentada se tomadas as medidas apropriadas de política interna que amorteçam seu impacto sobre os grupos que acabam sendo adversamente afetados pela integração econômica mundial. Ao mesmo tempo, políticas internas também são necessárias para que todos os setores da sociedade possam tirar proveito dos benefícios da globalização.
Para Arbix e Caseiro, o livro de Rodrik, mesmo trazido ao Brasil 17 anos depois do lançamento, é interessante porque vários dos conflitos sociais causados pela globalização, identificados nos anos 1990, voltaram à tona com a crise de 2008. Além disso, acreditam que a análise de Rodrik contribui para o avivamento do debate sobre os desafios que muitos países hoje emergentes, como o Brasil, têm pela frente.
Em entrevista ao Valor, Rodrik retomou uma de suas principais teses: a de que a liberalização do fluxo de capitais (liberalização financeira), associada à globalização mais recente, "claramente complicou o gerenciamento macroeconômico", e isso aumentou a possibilidade de ocorrência de crises, sem que se tenham compensações significativas. "Os economistas em geral colocaram muita fé na abertura ao comércio e ao fluxo de capitais como um motor do crescimento econômico", afirma Rodrik. Por isso, países que ainda não abriram demais suas economias - como China e Índia - devem proceder com cautela e não buscar uma liberalização completa. Para os outros, que já fizeram a abertura, ele sugere uma experimentação com métodos diferentes de gerenciamento da conta de capital e outros arsenais para moderar a volatilidade do fluxo de capitais.
Sobre a liberalização dos fluxos de comércio, uma realidade já posta para a maioria dos países, Rodrik diz que deve haver uma estratégia de política de desenvolvimento produtivo complementar (sobretudo, nos países em desenvolvimento), para que haja uma transformação estrutural doméstica e diversificação econômica, principalmente voltadas à expansão da capacidade de produção e emprego em setores mais modernos. "Isso costumava ser chamado de política industrial e hoje tem o nome, mais respeitável, de 'políticas de desenvolvimento produtivo'", afirma.
Segundo Rodrik, os objetivos de ambas as políticas são os mesmos, mas os métodos, diferentes: a segunda seria muito menos de cima para baixo e teria um menor uso de protecionismo direto e subsídios. Há neste método, em contrapartida, cooperação com o setor privado para remover obstáculos e identificar oportunidades. "Não sou contra um subsídio aqui e ali, mas isso precisa ser feito com as ferramentas institucionais corretas."
Em seus textos, Rodrik costuma chamar a atenção para o papel das instituições. "Ele é um dos economistas do 'mainstream' que têm pesquisado isso e que enfatizam a necessidade de se estudarem casos específicos. Não dá para chegar com um pacote de reformas e querer implantá-lo em todos os países em desenvolvimento, porque há instituições específicas para cada lugar", comenta Daniela Prates, professora de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Embora esteja um pouco de cada lado dentro do debate econômico - ou, talvez, por isso mesmo - Rodrik não é um consenso. Recebe críticas, por exemplo, daqueles que entendem como, no mínimo, "complicada" a interpretação, que perpassa suas análises, de que países subdesenvolvidos podem chegar ao nível dos países centrais, como se houvesse etapas a serem cumpridas. "Acho que falta na sua análise uma discussão sobre a hierarquia do sistema internacional. As relações, hierárquicas e assimétricas, vão causar constrangimentos às políticas de desenvolvimento. Ele não chega nesse ponto, bate nesse limite", afirma Daniela.
Na opinião de Marconi, nos Estados Unidos, país que não tem uma heterodoxia econômica forte, Rodrik é visto como um economista progressista. "Para nós, no Brasil, ele também seria um progressista, mas não o classificaria como um heterodoxo típico. Não que ele seja um conservador, mas não dá a mesma relevância que nós [heterodoxos] damos para o câmbio, por exemplo."
Marconi diz que um dos argumentos principais de Rodrik é que, em alguns países em desenvolvimento, é preciso usar a política cambial (câmbio desvalorizado) porque não se consegue superar restrições institucionais. "Ele não coloca o problema cambial [desses países] como decorrente da dificuldade de acesso a tecnologia ou porque há muita disponibilidade de recursos naturais", afirma Marconi. Diferentemente do que propõem alguns economistas de orientação heterodoxa, Rodrik coloca a taxa de câmbio, nesses países, como uma "compensação pela ineficiência".
Para o economista, a grande contribuição para o futuro da economia brasileira deverá vir da produtividade do setor de serviços
Por alguns, Rodrik chega a ser chamado de um "economista antimercado". Mas ele próprio acha que, na verdade, abriu portas para outras concepções. Chegou a escrever em um artigo acadêmico, anos atrás, que os economistas tendem a assumir "uma visão excessivamente estreita das questões".
Independentemente da definição da fronteira em que se encontra, Rodrik tem agitado o debate econômico mundial com opiniões não consensuais. Em relação aos modos como o aumento da integração econômica via globalização age em detrimento da mão de obra - particularmente, da não qualificada -, ele assinala, por exemplo, que o fato de os trabalhadores poderem ser mais facilmente substituídos entre si, fora das fronteiras nacionais, destrói o que se entende como uma barganha social estabelecida no pós-II Guerra entre trabalhadores e patrões.
Arbix diz que todo o debate que Rodrik propõe rejeita a visão - comum na ortodoxia econômica - de que a entrega de decisões exclusivamente ao mercado ensejará a convergência para uma posição de equilíbrio socioeconômico mundial. "Seu ponto de partida é uma crítica ao Consenso de Washington, que levou a menos regulação na economia e defendeu a retirada do Estado, entre outros aspectos", diz. "Rodrik ajuda a repensar coisas que foram colocadas nos anos 1990 e que não fazem mais sentido para nós."
Em artigos mais recentes, Rodrik propõe novas questões para a discussão de temas polêmicos. Em "Who needs the nation-State?" (Quem precisa do Estado-nação?), publicado em 2012 na revista "Economic Geography", ele partiu da ideia de que Estados-nação "teriam poucos amigos hoje em dia", já que alguns economistas os têm classificado como uma barreira para que se atinja o progresso econômico e social num período de globalização. Para Rodrik, ocorre exatamente o oposto: "A multiplicidade de Estados-nação adiciona mais do que retira valor" da sociedade mundial.
"Aceito que os Estados-nação são uma fonte de desintegração para a economia global. Mas minha preocupação é que a tentativa de transcendê-los seja contraproducente. Não nos levaria nem a uma economia mais saudável nem a melhores regras", escreveu, ressaltando pelo menos dois aspectos para essa conclusão. Primeiro, é preciso entender que os países diferem em suas necessidades e preferências em relação a formas institucionais que criam, regulam e estabilizam os mercados, não sendo, portanto, possível uma instituição única para todos os países. O segundo é que a própria distância geográfica limita muitas vezes a convergência do que seriam essas necessidades e preferências.
Daniela Prates, da Unicamp, afirma que, apesar de Rodrik não acreditar que os mercados são perfeitos, de não aceitar a "racionalidade substantiva", como se acredita em geral no"mainstream", não vê em seus textos a questão da incerteza keynesiana, algo que o aproximaria da heterodoxia. Rodrik, na sua avaliação, estaria próximo a um grupo que continua sendo parte do "mainstream", mas que incorpora algumas ideias heterodoxas. "Assim como Joseph Stiglitz e Paul Krugman, ele acha que o Estado deve intervir na economia, tem que regular, mas não com uma regulação tão intensa como propõem economistas pós-keynesianos."
Em uma autocrítica sobre sua obra, o próprio Rodrik costuma dizer que se considera muito convencional e "mainstream" nos métodos, mas geralmente muito mais heterodoxo nas conclusões. Para ele, há certos modos de pensar típicos do "mainstream" que são muito úteis. "Você precisa estabelecer suas ideias claramente, tem que ter certeza de que são consistentes, que há suposições claras e nexos de causalidade, e tem que ser rigoroso no uso de evidência empírica", afirmou em uma entrevista para a World Economics Association, em 2013. "Mas isso não significa que os neoclássicos têm todas as respostas de que precisamos."
Em uma análise sobre o Brasil, na entrevista dada ao Valor, Rodrik - ao contrário do que apontam análises heterodoxas de economistas brasileiros - descarta o modelo de câmbio desvalorizado para aumento de exportações da indústria, geralmente lembrado como sendo o padrão de crescimento e de sucesso asiático.
Embora considere que o Brasil precisa de um novo modelo de crescimento, Rodrik diz que não é possível refazer a história e por isso não há espaço, aqui, para um modelo asiático. "Se estivéssemos nos anos 1980, eu diria que o Brasil poderia retomar o ritmo de uma industrialização rápida e tentar replicar o modelo asiático. Infelizmente, não acho que essa estratégia [crescimento orientado por exportações] possa funcionar agora."
Rodrik lembra que a economia brasileira perdeu espaço no ramo de manufaturados e tem que competir não apenas com a China, mas também com outros exportadores de manufaturados com baixos custos de produção. Mesmo que a produção da indústria manufatureira retome o ritmo no Brasil, ele afirma que é difícil ver como esse setor poderá absorver uma crescente fatia da força de trabalho.
"Meu ponto é que a grande contribuição para o futuro do Brasil terá que vir do setor de serviços", afirmou. Para Rodrik, a crescente produtividade dos serviços será a chave para o crescimento da economia. "Mas não há uma receita simples", afirma, acrescentando que isso requer um trabalho grande de regulação, melhor governança e contínua melhora em capacitação de pessoas para o mercado de trabalho. Este último aspecto é especialmente importante, diz, porque, mesmo nas melhores circunstâncias, é sabido que a produtividade dos serviços, exceto em alguns nichos, comumente cresce de forma muito mais lenta do que na indústria em geral. "O desafio do Brasil, hoje, é muito similar ao que deve ser enfrentado pelas economias desenvolvidas, exceto pelo fato de que se encontra em um estágio diferente desenvolvimento."
Assim como no livro que chega ao Brasil, em que seu objetivo é menos prescrever receitas do que contribuir para o debate sobre consequências da globalização, Rodrik diz que não existe um modelo único a ser seguido rumo ao desenvolvimento. Os países mais atrasados precisariam, cada um a seu modo, encontrar seu próprio caminho. Especialmente após a crise de 2008, "os governos precisam aprender quais são as políticas certas, assim como as empresas precisam aprender como produzir de forma mais eficiente".
*Matéria publicada originalmente no jornal Valor Econômico em 30 de maio de 2014.